
Homilia: 1ª Romaria do Pe. Ezequiel a 31 anos do Martírio
Muitos são os mártires. Há os de tempos mais antigos e outros mais atuais, como Dom Oscar Romero e, se Deus quiser, o Servo de Deus Pe. Ezequiel Ramin, juntamente com …
tantas outras pessoas que deram a vida pelo irmão, como aqueles celebrados na Romaria dos mártires da caminhada, que ocorreu nos dias 16 e 17 de julho, em Ribeirão Cascalheira – Prelazia de São Félix do Araguaia.
Textos: Gn 18,20-32; Sl 137(138); Cl 2, 12-14; Lc 11, 1-13
Acolhemos a cada um de vocês nesta celebração dos 31 anos da morte do Pe. Ezequiel. Este ano que está sendo marcado pelo início do processo de beatificação do padre Ezequiel, que está acontecendo desde abril de 2016.
Estamos no ano da misericórdia. Queremos aprender a ser misericordiosos como o Pai. Queremos aprender a ser misericordiosos como Cristo, que demonstrou o seu amor por nós dando a vida para nossa salvação: “não há amor maior do que dar a vida pelo irmão (Jo 15,13).
Nesta busca por aprender a sermos misericordiosos como o Pai, nos ajuda muito nos inspirar nos mártires, que a exemplo de Cristo, deram a sua vida pelo irmão. Muitos são os mártires. Há os de tempos mais antigos, como são Cristóvão que é celebrado também nesses dias; e outros mais atuais, como Dom Oscar Romero e, se Deus quiser, o Servo de Deus Pe. Ezequiel Ramin, juntamente com tantas outras pessoas que deram a vida pelo irmão, como aqueles celebrados na Romaria dos mártires da caminhada, que ocorreu nos dias 16 e 17 de julho, em Ribeirão Cascalheira – Prelazia de São Félix do Araguaia.
Para ser misericordioso é necessário sair de si mesmo, do nosso egoísmo, e ir ao encontro dos outros, em especial, dos que estão sofrendo mais, dos mais pobres, abandonados, injustiçados, esquecidos e humilhados.
Ser misericordioso é colocar-se a serviço do outro, tornando-se servo, doando a vida pelo outro, amando de verdade o outro, tal como fez Jesus Cristo.
O exemplo maior de misericórdia quem nos dá é o próprio Deus. Ele nos amou tanto que nos enviou o seu Filho amado em missão para nos revelar o amor, mostrar-nos o caminho da verdade, levar-nos a Deus, instaurar o Reino de Deus e restaurar este mundo transformando-o em um mundo de justiça e paz.
Hoje as leituras nos mostram a face deste Deus Pai que é misericordioso, nos ama, nos escuta, nos socorre e nos dá o melhor. Deus não é o Deus da punição, mas da salvação. Ele quer que sejamos felizes, vivamos em paz e harmonia. Ele quer a nossa companhia junto Dele. No seu coração há misericórdia e compaixão.
A primeira leitura, em que Deus escuta o pedido de Abraão pedindo misericórdia pelo povo, me faz lembrar a passagem em que Deus fala a Moisés: “Eu vi a opressão de meu povo no Egito, ouvi o grito de aflição diante dos opressores e tomei conhecimento de seus sofrimentos. Desci para libertá-los das mãos dos egípcios e fazê-los sair desse país para uma terra boa e espaçosa, uma terra onde corre leite e mel”(Ex 3,7-8). Deus se compadeceu do sofrimento e da escravidão que vivia o povo de Israel no Egito, e pediu a Moisés para ser instrumento de libertação. Deus não é indiferente ao sofrimento do povo. É um Pai que sofre com o sofrimento dos seus filhos. O sofrimento dos pobres toca profundamente o coração de Deus.
O Pe. Ezequiel também não ficou indiferente ao sofrimento e ao clamor do povo. Foi ao encontro do povo, esteve junto acompanhando, servindo os indígenas e as famílias que não tinham encontrado terras.
E no momento mais difícil, não foi omisso, não fechou o coração pensando em si mesmo, em sua segurança, no que seria mais cômodo para ele. Viu o perigo das pessoas que aqui estavam, soube da presença de pistoleiros, escutou o pedido das mulheres dos posseiros, solidarizou-se e veio junto com o Adílio, presidente do Sindicato dos Trabalhadores rurais, até este lugar onde havia um conflito eminente. Havia muitos pistoleiros que, caso não houvesse uma intervenção, iriam matar muitos pais de família. E o Pe. Ezequiel veio como mensageiro da paz. Pediu para que se retirassem, evitassem o conflito. Mas, ao regressar, muito perto daqui, os pistoleiros o mataram com muitos tiros, e a camisa é prova disso.
Hoje vemos no Evangelho que Jesus nos ensina a rezar o Pai Nosso. Nesta oração, Jesus nos ensina a pedir: “venha a nós o vosso Reino”. Ou seja, Jesus nos ensina a pedir a Deus Pai que o mundo se transforme em mundo de irmãos, onde todos tenhamos dignidade, paz, harmonia, respeito, amor, misericórdia. Que o Reino de paz e amor venha até nós. E assim, ao fazer esse pedido a Deus, nos comprometemos na construção deste mundo, como fez o Pe. Ezequiel.
Jesus nos ensina a pedir na oração do Pai Nosso: “Dá-nos a cada dia o pão que precisamos”. Ou seja, ensina-nos a pedir a Deus que todas as pessoas do mundo tenham o seu alimento diário, que não haja pessoas que morram de fome. Sabemos que para ter o pão de cada dia é necessário também trabalhar, o esforço de cada um; mas é também necessário haver terras onde se possa trabalhar, ter postos de trabalho para os trabalhadores e as trabalhadoras. É necessário que os salários sejam justos e não haja exploração.
Há um detalhe significativo neste pedido que Jesus nos ensina a fazer. Ele nos ensina a pedir o pão que precisamos e não pão para ficarmos acumulando, pois quando alguém tem muito, é sinal que tem pessoas que estão com pouco. A mal distribuição dos bens da criação, a ganância, o egoísmo, geram a pobreza que existe no mundo, que mata milhões de pessoas. Por incrível que pareça, neste mundo tão avançado tecnologicamente que vivemos, a fome continua a ser a causa maior de mortes no mundo.
O Pe. Ezequiel, durante o seu tempo por aqui, que foi somente de um ano e um mês, esteve acompanhando os trabalhadores rurais, os sindicatos, a busca por um pedaço de terra, a preservação das terras indígenas. Buscou o bem para todos. E se colocou contra a exploração e a injustiça dos mais pobres. Fez causa comum com os pobres, em comunhão com a Igreja Latinoamericana, que desde os anos 70 e 80 fez a opção pelos pobres, seguindo os passos de Jesus. Ele vivenciou o que hoje nos pede o Papa Francisco: uma Igreja pobre para os pobres; uma Igreja missionária e samaritana. Isso lhe custou a vida.
Jesus também nos ensina a pedir perdão a Deus, com a condição de que nós devemos perdoar aos outros. O pai do Pe Ezequiel quando recebeu o seu corpo disse para a família: na nossa família não há vingança, não cultivamos o ódio, por isso nós perdoamos as pessoas que mataram o nosso filho. Depois escreveram uma carta que foi enviada para a Igreja de Rondônia, em que disseram:
AOS FAZENDEIROS E AOS JAGUNÇOS: que a morte de Ezequiel possa os reconciliar com Deus e os possa ajudar e entender que também Rondônia é terra de Deus e por isso de todos. Evitem o egoísmo e a maldade, pois são motivo de maldição sobre vocês.
AOS ASSASSINOS: desejamos que vocês possam encontrar a Deus. NÓS VOS PERDOAMOS.
(Família Ramin)
Portanto, nesta missa, em comunhão com o coração misericordioso da família Ramin, queremos rezar pelos responsáveis da morte do Pe. Ezequiel, que na sua grande maioria, já se encontram falecidos.
Hoje celebramos a ressurreição de Cristo e a nossa ressurreição. Hoje celebramos a vida do Ezequiel. O Pe. Ezequiel está vivo no meio de nós. Podemos sentir sua presença. Que a sua vida entregada seja semente de vida nova aqui em Cacoal, Rondônia, Brasil e em todo o mundo. Que o seu processo de beatificação ocorra logo e seja possível para que possa ser reconhecido como nosso mártir, e nosso santo.
Para terminar, faço referência a este lugar Santo. Estamos em um lugar sagrado. Aqui o Pe. Ezequiel derramou seu sangue. Hoje as leituras nos incentivam a rezar com confiança. Aqui é um lugar de encontro com Deus com a companhia do Servo de Deus Padre Ezequiel. Nós viemos aqui para lembrar dele, mas também para rezar, para pedir a sua intercessão. Muitas pessoas se confiam à intercessão do Pe. Ezequiel, este amigo que temos junto de Deus. Que esta terra se torne um lugar de peregrinação e de encontro com o Deus da vida. Uma terra em que nos inspiremos na vida e no martírio do Pe. Ezequiel para podermos fazer a nossa parte na construção de um mundo de paz e justiça. Amém.
Rondolândia (MT), 24 de Julho de 2016.
Pe Rafael Gemelli Vigolo
Missionário Comboniano