
Jesus Passou para o Outro Lado
Pela enésima vez, os judeus pegam as pedras para apedrejar Jesus. Querem matá-lo em praça pública porque é blasfemo. Mesmo sendo homem, se faz Deus (Jo 10,31-42). Por isso, tem que ser morto. Assusta essa “religião do linchamento” que mata em nome de Deus. Mesmo se a acusação de blasfêmia tivesse fundamento, nunca os “crentes” deveriam fazer recurso à violência. Pior ainda, quando a acusação é falsa e só serve para eliminar quem incomoda. O profeta Jeremias conhece esta triste história de “perseguição religiosa” que vem de dentro e não de fora. Seus “amigos” observam o tempo todo suas falhas e torcem para que cometa um engano, para apanhá-lo e desforrar-se dele (Jr 20,10). É o famoso “fogo amigo” que nunca é amigo. É muito usado hoje em dia. Escolhe-se a violência quando não há outro argumento ou quando o único argumento é acabar com a profecia. Calúnias, xingamentos, pressão psicológica e violência física são indicadores da incapacidade de dialogar e, paradoxalmente, de nos convencermos de que estamos na posse da verdade e que estamos autorizados a impô-la a qualquer custo, até a eliminação do adversário. Na realidade, “a violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota” (Jean Paul Sartre). É sempre terrível, mesmo quando a causa é justa. “A verdade deve ser buscada pelo modo que convém à dignidade da pessoa humana e da sua natureza social, isto é, por meio de uma busca livre, com a ajuda do magistério ou ensino, da comunicação e do diálogo (DH 3).” É isso que Jesus faz. Detém a tentativa de lapidação e, com seus argumentos, tenta abrir um canal de diálogo para apresentar sua defesa. Recorre às suas boas obras para provar que é o Filho de Deus e que tudo o que faz é por vontade do Pai. Mas seus argumentos não bastam para convencer os judeus de sua inocência. Para eles, Jesus está cometendo o crime de blasfêmia. Usurpa a dignidade divina. Jesus não desiste. Cita as Escrituras. Com a ajuda do salmo 82, lembra que a Palavra chama de “deuses” aqueles que agem como juízes iníquos e implacáveis. Portanto, antes de acusar Jesus de blasfêmia, eles devem perceber que foram os primeiros a tomar o lugar do Altíssimo a partir do momento que se sentam nos bancos do juízo e se consideram donos da verdade, atribuindo-se até o direito divino de tirar a vida. O tiro sai pela culatra: embora sejam homens, fazem-se deuses, enquanto Jesus foi consagrado como tal pelo Pai e foi enviado ao mundo por Ele. As Suas obras são a prova contundente da união entre Jesus e o Pai: “Mesmo que não queirais acreditar em mim, acreditai nas minhas obras e reconheçais que o Pai está em mim e eu no Pai”. É bom lembrar disso a poucos dias da Sua Paixão. O homem julgado e condenado, o homem submetido ao sofrimento mais cruel, o homem açoitado e coroado de espinhos, tratado como malfeitor, pregado na cruz, moribundo e colocado no sepulcro, é o Filho de Deus que assim cumpre a obra misericordiosa do Pai. Tudo isso acontece em cumprimento do mandato do Pai e por livre escolha de Jesus: “Antes da festa da Páscoa, Jesus, sabendo que havia chegado a sua hora, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim”.
Diante da dureza de coração de seus opositores, Jesus, ainda uma vez, toma a decisão de ir embora. Faz a mesma coisa que pediu aos seus discípulos: sacode a poeira das sandálias e continua o caminho. O evangelista João diz que Ele passa para o outro lado do Jordão e vai para o lugar onde João Batista tinha batizado. O gesto é desafiador e provocativo. Jesus toma distância da violência, do linchamento religioso e oral. Opta pela terra da profecia. Recomeça do deserto, da essencialidade, integridade e austeridade do Batista. Afasta-se de quem gosta de pegar pedras para apedrejar os profetas. Oculta-se aos olhos de quem não reconhece Ele como Filho e Deus como Pai e, portanto, não pratica as dimensões da filiação e da fraternidade; abandona o “templo” onde não se cultua o Deus da vida e, feito templo vivo e itinerante, anda pelo mundo inteiro “desinstitucionalizado”, acolhendo em si todas as pessoas dispostas a viver como Ele.