
Jesus trazendo auxílio no bairro e em casa, nessa quarentena
“Enquanto conversavam e discutiam, o próprio Jesus se aproximou, e começou a caminhar com eles. Os discípulos, porém, estavam como que cegos, e não o reconheceram” (Lc 24, 15-16).
Assim como no caminho de Emaús, também hoje em Manaus Jesus ressuscitado está caminhando conosco.
Jesus caminha hoje em Manaus – AM
1. Como ontem… Jesus continua caminhando
Jesus atravessa a cidade a pé, para sentir mais de perto, também em sua pele, a preocupação e a angústia das pessoas. Ouve o choro de uma mãe que perdeu seu filho, entra na sua casa. Uma casa simples, de periferia; não há muito espaço para todos os familiares ficarem juntos, isolados do resto da vida. Quase não há distância entre os quartos silenciosos da casa em luto e o palpitar da rua, ainda cheia de gente que vai e que vem, apesar da quarentena. “Como posso ficar em casa, se aqui falta comida?” – pergunta o pai do menino falecido.
Rezam junto um ‘Pai Nosso’… que falta que faz o pão de cada dia!
Jesus se levanta e visita com eles o cemitério; ajoelha-se em frente às valas, onde gente demais está sendo sepultada.
Chora de raiva e de dor ao escutar que até na pandemia há corrupção, aproveitamento, desvio de verbas. Fica indignado quando descobre que para os próximos vinte anos foram congeladas as despesas públicas para saúde e educação. Revolta-se pelas pessoas e grupos organizados que ainda negam a gravidade da situação, organizam carreatas contra o isolamento social, espalham fake news.
Jesus continua chorando com tantas vítimas
2. Ele também chora
Depois, despontam no seu rosto lágrimas de comoção e solidariedade, quando abraça uma enfermeira e uma médica devastadas pelo cansaço. Sente no coração delas a paixão pelo ser humano e a vocação de cuidar, mas também todo o medo de se contagiarem, a preocupação pelos familiares que esperam em casa, a aflição por terem perdido mais um paciente…
Segue o caminho do Ressuscitado pelas vias da cidade. Para, estarrecido, frente a uma agência do banco lotada de gente humilhada, que para buscar o dinheiro do auxílio emergencial é obrigada a se expor ao contágio. “Temos filas na Caixa e corpos na vala comum”, diz para ele um infectologista.
Jesus encontra dona Zaret, da Pastoral Carcerária, e lhe pede carona até o Complexo Penitenciário: lembra que exatamente um ano atrás 55 irmãos morreram em massacres frutos do aprisionamento em massa. Agora, nas mesmas condições desumanas, é o vírus que ameaça atravessar as grades. A visita se prolonga, de cela em cela.
Chegando o dia ao fim, Jesus para numa escola, do Centro
3. Anoitece em Manaus
Já é o fim do dia, mas ainda Jesus quer parar numa escola municipal no centro, onde foram realocadas centenas de pessoas indígenas Warao, para que tenham mais espaço e se protejam do vírus. “Vocês não estão com medo?” – pergunta.
“Nós somos pequenos, por isso Deus nos protege. E estamos juntos, como os fios destas redes de palha de buriti, nosso artesanato. Assim, já resistimos a muitas doenças, violência, secas e inundações em nossas terras”. Com eles, Jesus janta e faz comunhão.
Dentro de si, antes de adormecer na rede, pensa silenciosamente: “Permanecer no colo da comunidade, deste ‘nós’ mais amplo entrelaçado pelo cuidado, livra estes indígenas do mal”.
Como as mulheres… Jesus madruga
4. Novo Amanhecer, nova esperança
Se levanta de manhã cedo, ainda antes do sol nascer, como as mulheres que de pressa levavam perfume ao sepulcro. Há ainda muita gente para visitar, para perfumar de Ressurreição.
Escuta um grupo rezando e se aproxima: é uma comunidade cristã de uma área missionária de periferia, eles também levantaram cedo para terminar de preparar cestas básicas.
Lembra-se daquela tarde à margem do mar da Galileia, quando o povo estava com bastante fome: pouco a pouco, organizando-se e partilhando seus cinco pães e dois peixes, dividiram seus bens com quem tinha a sacola vazia.
Uma voluntária da Caritas comenta com Jesus: “No meio de tudo isso, me surpreendo, cada dia, a agradecer pelas coisas que antes me pareciam tão normais: a vida, o alimento em minha mesa, o sorriso de meus filhos. É como sentir o coração sorrir por dentro, de gratidão”.
Jesus pergunta: “Estão com medo?”
5. Não dá para parar, alguém espera
Assim, o dia se passa visitando de casa em casa; Jesus dá uma de curioso, pergunta muito, finge de não saber das coisas…
- “Há quanto tempo estão em quarentena? Estão com medo?”;
- “Dá para brincar com as crianças?”;
- “Com toda esta dor em volta, ainda conseguem rezar?”.
Seu Francisco, que é vô de vários netos, lhe responde alegre: “Sabia que, com este negócio de ficar mais tempo em casa, até retomamos a oração todos juntos, no fim do dia? É algo simples, viu: cada um diz uma prece, lembra de uma pessoa, de um fato do dia… e depois todo mundo reza uma Ave-Maria!”.
Jesus lhe lembra de Nossa Senhora de Guadalupe, padroeira da América Latina, que dizia assim ao indígena Juan Diego: “Não tenha medo desta doença, nem de nenhuma outra: não estou aqui a seu lado, eu que sou sua Mãe?”.
Seu Francisco, sentindo a força de fé do homem que está falando com ele, abre-se ainda mais: “Sabe, amigo… às vezes a gente grita, se queixa, berra: é muita dor, viu? Não dá para explicar, nem dá para saber quando vai terminar… mas eu converso com Deus e não o trato como um Senhor… não, prefiro chamá-lo de Pai, como fazia Jesus na hora de suar sangue. Eu sei que estamos em suas mãos. Às vezes, à noite, antes de dormir sou eu que pergunto a ele, no meio de todo este sofrimento: Deus, como está você?”
Sem palavras, matutando, Jesus segue caminho. Tem mais visitas a fazer. A todos e todas quer repetir, sem cansar: “Não tenham medo. Permaneçam em mim. Permaneçam em meu amor. Eu estarei com vocês todos os dias”.
“Eu sempre estarei com vocês…“
Dario Bossi, comboniano em SP