“Judas é nosso irmão!”
A atmosfera de festa que se respira na casa de Betânia contrasta fortemente com o ar de tristeza que se respira no Cenáculo. Ao gesto de amor de Maria, que unge com ternura os pés do Mestre, sucede o sentimento de decepção provocado pela traição de um dos Doze apóstolos. Conta o evangelista João que, enquanto jantavam, Jesus, profundamente comovido, disse a seus discípulos: “Em verdade eu vos digo, um de vós me entregará”.
As palavras de Jesus pronunciadas a queima roupa durante a ceia pascal deixam todos desconcertados. Os discípulos olham uns para os outros, pois não sabem de quem Jesus está falando. O evangelista Mateus, conta no texto proposto na liturgia de amanhã, que, um por um, começam a lhe perguntar: “Senhor, será que sou eu?” (Mt 26,22). A pergunta intriga. Quem tem consciência limpa não tem nada a temer. Então, por que todos são tomados pela dúvida de ser o traidor de Jesus? Talvez porque cada um deles tenha algo a esconder. A reação do grupo é uma admissão de culpa. É a confissão de uma fragilidade que acontece com todo mundo. A traição é muito mais comum daquilo que se pense. É companheira inseparável da natureza humana. Quem mais quem menos, todos/as temos alguma história de traição para contar. Apesar de todo o nosso empenho e generosa dedicação ao projeto de Jesus, cada um/a de nós contabiliza momentos de cedimento às tentações, distanciamento de Sua prática, desvio do Seu caminho e afastamento de Seus ensinamentos.
É bom nos lembrarmos disso quando, como Pedro, tomados por um inconsistente ímpeto de generosidade, Lhe prometemos aquilo que não podemos cumprir ou, do alto da nossa arrogância nos sentimos no direito de malhar “Judas” em praça pública, como se fôssemos melhores do que ele. Por quanto o neguemos ou nos envergonhe, temos que admitir que todos nós, por causa de nossa fraqueza, passamos pela experiência da ilusão do ser humano, que crê que consegue ser verdadeiramente livre… libertando-se de Deus sem se dar conta de que, eliminando-O da nossa vida a mergulhamos nas trevas da noite, na escuridão da falta de sentido, assim como acontece com Judas. Judas é nosso irmão. Tem tudo a ver conosco. “Não vos envergonheis de assumir esta irmandade – disse num memorável sermão pe. Primo Mazzolari ao comentar este trecho do Evangelho -. Eu não me envergonho, porque sei quantas vezes traí o Senhor; e acredito que nenhum de vós deve envergonhar-se dele. E ao chamá-lo irmão, estamos na linguagem do Senhor. Quando recebeu o beijo da traição, no Getsémani, o Senhor respondeu-lhe com aquelas palavras que não devemos esquecer: «Amigo, com um beijo trais o Filho do homem!». Amigo! Esta palavra, que diz a infinita ternura da caridade do Senhor, faça-vos compreender por que neste momento eu o chamei irmão. Jesus dissera no Cenáculo não vos chamarei mais de servos, mas amigos. Os Apóstolos se tornaram os amigos do Senhor: bons ou não, fiéis ou não, generosos ou não, permanecem sempre os amigos de Jesus. Nós podemos trair a amizade com o Cristo, mas Ele nunca nos trai. Permanecemos seus amigos mesmo quando não o merecemos, também quando nos revoltamos contra Ele ou quando o negamos. Diante de Seus olhos e dentro de seu coração nós somos sempre os amigos do Senhor”. Deus diga sempre bem de nós.
(pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)