“Kuoth a thin!” — Deus está sempre presente
Olá, meu nome é Marco, sou irmão missionário comboniano. Em 2020, depois de terminar minha formação de base, fui enviado para a missão entre o povo Nuer, no Sudão do Sul. Gostaria de aproveitar essa oportunidade para compartilhar com vocês um pouco dessa cultura tão diferente da nossa cultura ocidental.
O povo Nuer é o segundo maior do Sudão do Sul, que é o país mais novo do mundo, tendo apenas 11 anos. Tem passado por guerras, antes e depois da independência. Há muita pobreza, corrupção, fome e alta precariedade em todas as áreas sociais, segundo nossa perspectiva ocidental.
Com o povo Nuer não é diferente. Vivem em áreas alagadas, onde não há estradas, nem sinal de internet ou telefone. O acesso a essa região só pode ser feito navegando pelo do rio Nilo ou de helicóptero. Em Nyal, onde nossa comunidade foi estabelecida, o único transporte local é a canoa feita de palmeira. Pude experimentar na prática nossa expressão “com quantos paus se faz uma canoa”.
Nesta cultura os homens podem ter várias esposas. A quantidade de esposas reflete a riqueza material do homem pois o casamento se dá através de pagamento com vacas ao pai da noiva. O “preço” varia, em geral, entre 25 a 50 vacas, onde se considera a altura da noiva, quanto mais alta for a noiva maior o valor, pois podem gerar filhos mais altos. A saúde, destreza na cozinha e grau de estudos também são considerados. O valor pode passar de 50 vacas se a noiva completou o ensino médio, o que é muito raro. Os direitos das mulheres são quase nulos.
O ensino é tão precário que praticamente não existem professores qualificados. As pessoas mais qualificadas buscam outros trabalhos, normalmente em ONGs onde recebem um salário muitíssimo maior que o salário de professor.
Nesta área não há hospitais. Somente existem pequenos postos de saúde, onde quem atende os doentes muitas vezes são voluntários com pouca ou nenhuma formação profissional. Quem eles chamam de doutor, muitas vezes nem terminou o ensino médio. A mortalidade é altíssima por falta de equipamentos, de atendimento qualificado e de remédios.
Em meio a tantas dificuldades, a presença das ONGs e nossa presença missionaria são fundamentais para dar algum tipo de alento a esse povo. É lindo e muito gratificante ver a festa que fazem quando vamos visitá-los nos vilarejos mais distantes. Os batizados são feitos às centenas em cada visita. A festa toma conta de todo o povoado.
Esta experiência está me ensinando muita coisa. Como eles dizem, “Kuoth a thin!” que significa “Deus está sempre presente.” Sem essa confiança na presença de Deus seria quase impossível viver. Aprendi também a entender e aceitar o diferente, a ter mais compaixão e não ser absolutista.
Hoje entendo que muitas coisas que eu considerava essenciais na verdade não o são. Hoje para mim, o doar-se ao irmão segundo os ensinamentos do Evangelho é o verdadeiramente essencial.
Como explica Antoine de Saint-Exupéry em sua obra O pequeno príncipe: “O essencial é invisível aos olhos. ”
Marco Faria, comboniano no Sudão do Sul