
“Levanta-te e fica aqui no meio” (Lc 6,6-11)
A ordem é de Jesus. É direta ao homem que sofria pela atrofia da mão direita. Em plena pregação na sinagoga em dia de sábado, Jesus enxerga seu sofrimento. A sua preocupação com a aflição daquele ser humano não é uma falta de respeito para com a Palavra que está pregando, mas a melhor maneira para colocá-la em prática. Não constitui uma violação do preceito do sábado, como pensam maldosamente os mestres da Lei e os fariseus, mas o resgate de seu verdadeiro significado. Ao colocar ao centro da atenção a pessoa Ele não está se distraindo do “Sagrado”, mas está se concentrando n’Ele. Pois cuidar da vida humana é o culto que mais agrada a Deus.
A maneira como Jesus coloca ao centro a pessoa deveria ser a regra de ouro de todas as relações humanas, das nossas iniciativas, dos projetos pastorais, dos programas políticos e das ações de governo. Quando isso não acontece instala-se um processo desumanizador e perverso onde regras, tradições e interesses espúrios valem mais do que as pessoas. Não se trata de abolir as regras, mas de “evangelizá-las”. Jesus não acaba com o Sábado e os outros preceitos previstos na Lei, mas os cura da perversão do legalismo para que recuperem sua função originária: educar para o amor. Seus gestos, mais do que as palavras, ensinam que o cuidado com a vida é a melhor prática religiosa, o restabelecimento da dignidade humana é o princípio da legalidade e a civilização do amor é o verdadeiro estado de direito.
Os mestres da lei e aos fariseus de todos os tempos não concordam, pois, mesmo não apresentando nenhum problema físico, estão espiritualmente doentes: padecem de legalismo. Não aprenderam a lição da misericórdia. Tem olhos, mas os usam para julgar e condenar. Tem coração, mas é duro como uma pedra. Tem mãos que funcionam, mas não se servem delas para acolher, abraçar, doar e receber o dom alheio, mas para afastar, maltratar e praticar violência. Em seu comportamento está estampada uma terrificante contradição: em pleno sábado, dia do Senhor, e durante a celebração da Palavra do Deus da vida, no lugar de ficarem felizes pela presença de Jesus e de esbanjarem amor e paz, ficam cheios de raiva e discutem entre si um plano para acabar com Jesus.
A reação de Jesus é dura. Foge dos enfeites piedosos com que somos acostumados a revesti-lo para adoçar suas palavras e amenizar suas atitudes. Olha para estes “religiosos” com ira e tristeza, diz o evangelista Marcos. Não se trata de um ataque de raiva que é um dos sete vícios capitais. Estamos diante de uma manifestação de indignação. “A raiva é um vício perigoso e deletério que beira a agressão do outro e o ódio. A indignação, ao contrário é tomar partido apaixonadamente contra a injustiça, o mal, a hipocrisia, e é uma virtude. O objetivo que Jesus quer alcançar é induzir náusea e rejeição para com a degeneração da religião e exaltar uma fé autêntica, livre e atuante” (cardeal Gianfranco Ravasi). Jesus não suporta o coração esclerosado, a falta de misericórdia, a arrogância dos fortes para com os fracos. Apesar do ódio que o rodeia, Jesus cura aquele homem. Ele faz o bem mesmo sabendo que atrai o mal. Dessa forma resgata o jeito autêntico de viver o Sábado e manifesta a sua fidelidade ao Deus da vida.
(pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)