Minha vocação é o amor!
“Sede perfeitos como o vosso Pai é perfeito!” (Mt 5,48). Foi com estas palavras que Jesus concluiu o Discurso da Montanha que meditamos nos últimos dias. A afirmação é forte demais. À primeira vista, aprece apontar uma meta inalcançável. A natureza humana não tem os pressupostos para cumpri-la. Apesar de todo o nosso empenho em sermos cada vez melhores, carregaremos boa parte de nossos defeitos ao longo da vida, até o túmulo. Sair em busca da perfeição, entendida como ausência de limites, é a viagem mais desastrosa que possamos realizar. Além de desgraçarmos a nossa vida torturando-a com nossa mania de perfeição, infernizaramos também aquela das pessoas que vivem ao nosso redor. Não é isso que Jesus exige de seus discípulos. Mateus já dá uma primeira dica: sede perfeitos como o Pai e não quanto o Pai. A comparação de Jesus é qualitativa, não quantitativa. Ele convida seus discípulos a imitar o jeito de ser e viver do Pai. Deus é Amor. Ele é perfeito não porque é onipotente, onipresente, onisciente, mas porque ama desinteressadamente e até às últimas consequências. É por isso que, mesmo que não lhe falta nada, Ele sofre. Padece por amor assim como sofrem todas as pessoas quando percebem o sofrimento das pessoas amadas. É o Deus da misericórdia e da compaixão. O evangelista Lucas não deixa dúvidas quanto a isso. Temendo que algum devoto interpretasse mal aquelas palavras, escreve de maneira mais explícita: “Sede misericordiosos como também o vosso Pai é misericordioso!” (Lc 6,36). A perfeição de Deus é a o exercício da misericórdia, isto é, a Sua capacidade de ver a nossa miséria com olhos de compreensão, de acolhê-la em seu coração com compaixão e cuidar dela com muito amor. Faz tudo porque o desejo dele não é mortificar-nos e humilhar-nos, mas ajudar-nos a alcançar a felicidade plena.
Infelizmente, o mito da “vida perfeita” voltou de moda nos ambientes religiosos. O risco de perseguir uma perfeição espiritual asséptica, como os fariseus fizeram muito bem, infelizmente ainda está presente (Paulo Curtaz). Tem pessoas que “torturam” a si mesmas e aos/às outras com a obsessão de fazer tudo certinho e cumprir rigorosamente as regras custe o que custar para apresentar-se a Deus puros, sem mácula, como “bons empregados/as” que esperam um elogio, o “salário” ou o prêmio. São rígidos/as consigo mesmos/as e intransigentes com os/as outros/as. Não se alegram com o dom da misericórdia. Lamentam a generosidade excedente do Pai com o Filho pródigo. Murmuram ao ver o Mestre e seus discípulos andando com os pecadores. Jogam pedras contra os/as outros/as mesmo sabendo que também eles/as têm culpa em cartório. Andam de nariz empinado dando lição de moral para os/as outros/as. Cultivam ressentimentos, preconceitos, arrogância e intolerância. Felicitam-se com a desgraça eterna de quem não segue seus “bons exemplos”. Não estou incentivando a pecar, mas a amar-se, aceitar-se, reconhecer com humildade os próprios limites e aprender a conviver com eles e a olhar com misericórdia as fraquezas dos/as outros/as com a mesma misericórdia com que Deus trata as nossas. Todos/as somos chamados à conversão, mas ela não deve ser fundamentada na busca da perfeição, mas no amor. É a resposta do amante para o Amado que amou por primeiro. O Pai sabe como somos feitos/as. Por isso nos cerca de amor e cuidado. Ele manda Seu filho não para amparar os “sarados”, mas para socorrer os pecadores, os fracos e os doentes. Envia-O para mim, para você, para todos/as nós. Ele quer filhos/as que o reconhecem e o amam como Pai/Mãe e não “eficientes empregados” ou “cristãos superdotados/as”.
Portanto, não tenhamos medo de nossa pobreza. Procuremos olhar para nós e para os/as outros/as com o olhar benevolente de Deus. Aprendamos a sermos misericordiosos como Ele é para conosco. Amemos porque somos amados. Acolhamos o amor de Deus e enchamos nosso coração dele até transbordar em direção aos outros/as. Não julguemos e não condenemos. Aprendamos a compreender e perdoar. A pessoa é muito maior do erro que comete. Corrijamos a falha sem desprezar quem a comete. Ninguém de nós recebeu de Deus a competência de julgar e fazer justiça com suas próprias mãos. Esta pertence de direito só a Ele. A única coisa que nos compete é agir como Ele: amar com uma medida transbordante de benevolência. Vivamos como pessoas livres que sabem libertar. Imitemos o que Deus faz conosco. Nos escritos autobiográficos, intitulados “História de uma alma”, Santa Teresinha afirma: “Ó Jesus, meu amor, minha vocação, encontrei-a afinal: Minha vocação é o amor”. Seu exemplo é caminho para que todos nós sejamos missionários/as da misericórdia.
(pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)