MISSÃO: da solidariedade com os mais pobres aos pobres solidários
Estevão Gany Ngundeng é casado e pai de muitos filhos. É também coordenador de comunidade, catequista e ministro da Eucaristia. Estevão ama sua família e sua igreja. São membros da paróquia São José Operário na missão Comboniana de Leer, no Sudão do Sul, África.
Um dos filhos de Estevão Gany se chama Daniel. Foi uma maneira que Estevão encontrou para homenagear Daniel Comboni, fundador do Instituto dos Missionários Combonianos e das Missionárias Combonianas que trabalham na missão de Leer há mais de 20 anos.
A missão Comboniana de Leer fica numa região muito pobre do Sudão do Sul. O povo é evangelizado e a igreja cresce nesse lugar à custa de muito trabalho e sacrifício. Os missionários e missionárias Combonianos, fieis ao carisma de Daniel Comboni, fizeram-se solidários e optaram por viver e trabalhar com os ‘mais pobres e abandonados’ dessa região da África.
Daniel, filho de Estevão Gany, pegou uma malária quando era ainda criança. Levado ao hospital, recebeu uma injeção errada, o que infelizmente o fez ficar paralítico. O menino cresceu com essa deficiência física, apesar de todos os esforços que o pai e os missionários fizeram para que Daniel voltasse a andar. O menino recebeu dos missionários uma cadeira de rodas, cresceu e aprendeu a viver como cadeirante.
No dia 15 de dezembro de 2013 um conflito político gerou uma guerra civil no Sudão do Sul. Em poucas semanas essa guerra chegaria à missão de Leer e se tornaria um grande sofrimento para o povo. Estevão Gany levou sua família para um lugar distante e seguro, pois Daniel não conseguiria fugir dos ataques e confrontos armados.
A guerra chegou e no fim de janeiro de 2014 os missionários e as missionárias Combonianos foram obrigados a deixar a sede da missão e se refugiar no mato com o povo a quem serviam. Enquanto procuravam refúgio, os missionários foram atacados por soldados, que levaram todos os seus pertences e por pouco não lhes tiraram a vida. Também a sede da missão foi saqueada e parcialmente destruída.
Depois do ataque, os missionários permaneceram por 18 dias refugiados no mato sobrevivendo com pouca comida. Restavam-lhe a roupa do corpo, um pouco de dinheiro e a providência divina que se manifestava através dos cuidados e ajuda do povo.
Estevão Gany soube que os missionários haviam sido atacados e que tinham perdido quase tudo. Ele então caminhou por dois dias até encontrar o grupo de missionários que tinha formado com o povo uma ‘comunidade de refugiados de guerra’ debaixo de árvores e a céu aberto. Encontrou-os. Foi grande a alegria proporcionada por este encontro.
Esse líder de comunidade e seu povo sentiram-se fortalecidos pela opção e presença dos missionários que arriscavam as suas vidas para estar com a comunidade naquela situação difícil. Ficaram juntos um dia inteiro. Próximo de sua partida, Estevão chamou o pároco e disse: “Abona (padre), antes de sair de casa, vendi uma cabra por R$ 300. Metade desse dinheiro eu vou levar para meu filho Daniel que está doente e com fome. Aqui está a outra metade para vocês missionários”.
De fato, nós missionários havíamos perdido quase tudo, nos tornamos pobres e vivíamos na mesma situação do povo. O gesto solidário de um pobre homem que era, porém, rico em generosidade e soube dar de sua pobreza, me fez sentir evangelizado e fortalecido pela solidariedade dos pobres a quem fomos evangelizar.
Pe. Raimundo Rocha, missionário Comboniano brasileiro. Trabalhou no Sudão do Sul durante sete anos. Os últimos quatro anos foram vividos num contexto de guerra. Hoje ele trabalha em São Luis, Maranhão. Os conflitos no Sudão do Sul diminuíram e há esperança de paz. Porém, a população ainda continua sofrendo as consequências dolorosas da guerra.
Artigo para o ‘Diário de missão’ do Boletim Sem Fronteiras
Foto: Pe. Raimundo Rocha: missa com os refugiados de guerra