Mt 5,1-12 – As Bem-aventuranças
A felicidade é o tema fundamental do novo ensinamento de Jesus. A apresentação do caminho que garante dias felizes e resultados para a nossa vida é transmitida na montanha, que recorda o Horeb da Antiga Aliança, e não na sinagoga, para nos dizer que estamos testemunhando uma nova aliança e o nascimento de um novo povo de Deus, que universalmente abraça todos os seres humanos, além do povo escolhido, além e contra o templo, além e contra as religiosidades que dividem, oprimem, manipulam e escravizam. Jesus, com as Bem-aventuranças, dá-nos os novos mandamentos, que orientam as atitudes e as práticas de quem aceita o seguimento.
A boa nova se articula a partir de dois tempos verbais: o presente e o futuro; e a preeminência do “já” sobre o “ainda não” é clara no quadro da catequese de Jesus: os pobres no Espírito Santo são os perseguidos por causa da justiça. Apesar da violência e das mentiras que eles sofrem, hoje – agora! – eles são herdeiros do Reino de Jesus. Felicidade que casa com a esperança de um dia se alegrar e exultar definitivamente. A felicidade intimamente ligada ao testemunho do martírio, à Cruz, como salário daqueles que ousam enfrentar as forças deste mundo, na defesa amorosa da vida dos seres humanos e da Terra.
As Bem-aventuranças no tempo futuro dizem-nos quais devem ser as virtudes de quantos lutam contra os males da história humana e constroem, juntamente com Jesus, a vida e a justiça negadas aos pobres, aos famintos e aos desesperados.
A aflição que é a felicidade evangélica não tem nada a ver com a tristeza depressiva, mas é comunhão com a profunda tristeza de Jesus, que chora a morte do seu amigo Lázaro (Jo 11,32-36) ou do Monte das Oliveiras contempla Jerusalém e chora por ela, que não quis acolhê-lo e reconhecê-lo (Lc 19,41-44). Sofrer por amor à família e aos amigos e entristecer-se por causa dos sofrimentos da humanidade é uma virtude que humaniza e diviniza os discípulos de Jesus.
De fato, nos fala da felicidade dos mansos, dos autênticos não-violentos, daqueles que nunca tentam justificar suas pequenas e grandes raivas e, se ofendidos, não buscam vingança.
E precisa ter uma fome insaciável e sede de justiça para não abandonar a luta, juntamente com a misericórdia sem limites, que envolve também a necessidade de banir do nosso íntimo antipatias, ódio e ressentimentos. Deve ser uma justiça que, embora denuncie claramente toda violência, opressão e mentira dos poderes deste mundo, seja sempre inseparável do processo de construção da paz, para superar, testemunhando o ágape – o amor como única alternativa à árida racionalidade dos argumentos e da Doutrina – as narrativas polarizadoras que dividem o povo, na sociedade como na Igreja, e que causam ódio e guerras, que se alimentam do sangue e da dor dos pobres.
Relendo estas palavras de Jesus, aparece uma novidade: sinto-me interpelado pela primeira vez pela felicidade prometida aos puros de coração. Jesus se opõe radicalmente ao conceito e à prática da pureza ritual e do culto e inaugura uma nova maneira de entender como viver a pureza. Pureza interior e não exterior, mas não posso porém não lembrar que pertencem à geração daqueles que, na infância e na adolescência, foram catequizados com os exemplos de São Luís Gonzaga, São Domingos Xavier, Santa Maria Goretti, santos em quem a virtude da pureza estava intimamente ligada apenas ao tema da sexualidade. Talvez eu nunca tenha me debruçado sobre as bem-aventuranças dos puros de coração, porque não aceito a redução da pureza ao seu aspecto ascético, mas muitas vezes repressivo, de luta contra desejos e comportamentos egocêntricos e desordenados, em total esquecimento da dimensão moral, que diz respeito à retidão das interpretações e da dimensão mística, que nos fala da visão de Deus.
Hoje percebo com certa intensidade a dimensão moral, na qual a pureza de coração consiste na derrota do medo de si e dos outros, em suma, a libertação radical dos nossos fantasmas e da pressão do ambiente; liberdade das convenções familiares e sociais, da chantagem unânime de grupos políticos e partidos. Somos felizes porque estamos comprometidos com a liberdade – a mesma liberdade que marcou a vida de todos os profetas, que também não foram ouvidos e perseguidos – por isso não pensamos e agimos para agradar a opinião pública ou para sermos vistos pelos homens, mas sempre movidos por um desejo de fidelidade a Jesus, ao seu Reino e aos seus pobres.
Flávio Lazzarini