O Amor Segue a Lógica da Gratuidade
A refeição na casa do chefe dos fariseus se torna a ocasião para uma longa catequese de Jesus. A caminho de Jerusalém, mesmo sabendo do conflito que irá enfrentar e do desfecho dramático que terá que encarar, o Mestre faz de tudo para “evangelizar” aquele setor da sociedade que ainda resiste ao projeto de Deus. A mesa, espaço de encontro e convivialidade, é também lugar em que o ser humano revela muito de si e de seus comportamentos. Jesus aproveita desta oportunidade para observar e transmitir seus ensinamentos. Dessa forma, a mesa se torna “lugar teológico”, ocasião para Deus mostrar seu rosto paterno/materno e misericordioso. A humanidade acostumada às grandes manifestações divinas acompanhadas por eventos extraordinários, agora encontra com Deus sentado à mesa, no calor do clima familiar, compartilhando com maior simplicidade os segredos de seu coração. Todos os ensinamentos de Jesus partem da observação dos comportamentos dos comensais. Mesmo estando num território hostil à Sua pessoa, Ele não se intimida. Anuncia o Evangelho integralmente, sem descontos, adequações, adaptações e cortes. Não se omite por medo de ser expulso do banquete. Não disfarça e nem tampouco se contem para agradar o auditório. A sua Palavra mantém intacta a profecia. Poderia ter esperado outro momento para não estragar a festa, mas Ele não deixa passar a oportunidade para avaliar todas as “boas maneiras’ dos fariseus e questioná-las à luz do Evangelho. Este fato me faz lembrar do saudoso Dom Silvestre Scandian que, quando era arcebispo de Vitória do Espírito Santo, organizava o café da manhã com as autoridades do estado e nos convidava para apresentar nossas denúncias a respeito das violações aos direitos humanos. Como faz falta na Igreja de hoje esta coragem, talvez porque nem sempre ajamos de consequência. Não questionamos por medo de expor as nossas contradições ou de perder “preciosas alianças”.
Jesus vai pagar caro aquele almoço. Depois de ter desmascarado os efeitos negativos do legalismo, cuja expressão mais imediata é a distorção da verdadeira imagem de Deus e do Sábado; após ter alertado a respeito da arrogância religiosa e ter dado uma lição de humildade, no trecho hodierno, fala da gratuidade. Ao constatar que o dono da casa convidara somente pessoas que faziam parte do restrito círculo dos seus familiares, amigos, vizinhos ricos e pessoas influentes, na expectativa de conseguir, em troca, alguma vantagem para si e sua família, Jesus aproveita para dizer que o amor não faz diferenças, independe do resultado e não busca compensação. “Quando deres uma festa – diz o Mestre -, convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos. Então tu serás feliz! Porque eles não te podem retribuir. Tu receberás a recompensa na ressurreição dos justos” (Lc 14,13-14). À postura sectária da religião oficial onde tudo acontecia por interesse, Jesus contrapõe uma comunidade de portas abertas, onde todo mundo tem seu lugar garantido e todos/as são reconhecidos/as como irmãos e irmãs. Em vez do círculo restrito, aberto para poucos supostos “justos”, hermeticamente fechado por medo de “contaminações”, exclusivo e excludente, Jesus propõe uma mesa com vagas ilimitadas, destinadas sobretudo àquelas pessoas que não haviam nem mesmo sonhado de um dia poder compartilhar a refeição com o Pai.
A Igreja de Cristo é o espaço aberto a todos/as. É a família daqueles/as que se reconhecem como irmãos e irmãs e se acolhem mutuamente nas suas diversidades, riquezas e pobrezas, porque neles/as e entre eles/as reina o amor gratuito de Deus.
A gratuidade é o antídoto da “negociação”, da comercialização e das relações interesseiras, contaminadas por privilégios adquiridos abusivamente e pela busca obsessiva do poder. A vida construída sobre a negociação e comercialização gera exclusão, injustiça, dominação e, em última análise, produz morte e infelicidade.
O caminho para a felicidade, por outro lado, é viver o amor como Jesus. “Tu serás feliz e bem-aventurado, porque eles não podem te retribuir” (v. 14). É a bem-aventurança que nasce do amor doado livre e gratuitamente.
A gratuidade revela o rosto do Pai, que «nos justificou (a todos/as) gratuitamente por sua graça, através da redenção que está em Cristo Jesus» (Rm 3, 24). É um dom que brota do Espírito de Cristo crucificado e ressuscitado.
Gratuidade é amar sem segundas intenções e expectativas. Sem se perguntar se vale a pena, sem calcular as possíveis vantagens e ficar no aguardo de contrapartidas. É doar e doar-se a fundo perdido. É amar aqueles/as que são mais difíceis de amar e, portanto, mais necessitados desse amor. É ir além dos limites da simpatia, superar os laços de parentesco, quebrar os muros dos preconceitos, largar a falsa segurança do pensamento único e aceitar de se confrontar com as diferenças.
A recompensa para quem ama gratuitamente não é a retribuição, mas a felicidade do/a outro/a e a vida que ressurge ao seu redor.
Quem se doa gratuitamente, descobre-se mais rico/a, pois, como dizia São Francisco, “é doando que se recebe, é perdoado que se é perdoado, e é morrendo a si mesmo que se vive para a vida eterna”.
(pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)