O Caminho da Felicidade
Muito tem sido dito e escrito a respeito das Bem-aventuranças. Cada qual tem usado e abusado delas para sustentar suas teses. Uns as utilizam para pregar o conformismo e a resignação. Outros as manipulam para sustentar e difundir a teologia do sofrimento. Não faltam aqueles que instrumentalizam o texto para incentivar a luta de classe e revoluções armadas. Afinal das contas Jesus, na versão de Lucas, “amaldiçoa” os ricos responsáveis pelas lágrimas dos mais pobres. Enfim, tem quem acha que Jesus estaria fazendo ironia da condição dos pobres falando-lhes de uma felicidade que nunca teriam chance de alcançar nesta vida.
Como ler esse texto, então? Tem um detalhe no prólogo que não pode passar despercebido. Jesus sobe ao monte com seus discípulos. Antes de proclamar estas palavras, o Mestre entra em contato com o Pai. Lucas diz que Ele fica a noite inteira no monte em oração. O monte não é um lugar físico, mas teológico. É o momento do diálogo entre o Filho e o Pai. É a ocasião para descobrir o ponto de vista de Deus e aprender a enxergar o mundo com seu olhar. Portanto, está aqui o segredo da compreensão deste texto. Precisa subir ao monte e lê-lo à luz do pensamento de Deus. Não é um exercício fácil. Mas é possível através da leitura orante. Nas bem-aventuranças tem o ponto de vista de Deus. Só entrando em comunhão com Ele é que podemos compreendê-las.
Para além de qualquer outro entendimento, fica claro o recado: as Bem-aventuranças não são simplesmente palavras de consolação para quem sofre, mas constituem o projeto de Deus a ser realizado em colaboração conosco. Quem segue Jesus tem a tarefa de cooperar com Ele para que o seu Reino aconteça e sua Justiça se torne realidade de maneira que todas as pessoas possam experimentar a alegria. Deus, desde sempre, quer a felicidade do ser humano. Não nos criou para sofrer, mas para viver, não de qualquer jeito, mas em plenitude. Sua meta é o novo mundo onde enxugará dos olhos toda lágrima; e não haverá mais morte, nem haverá mais pranto, nem lamento, nem dor (Ap 21,4). O empobrecimento, a fome, a marginalização e a negação dos direitos devem desaparecer, mas isso não acontecerá por toque de mágica, mas como fruto do compromisso de todos/as na realização do Ano de Graça do Senhor, isto é, do tempo em que haverá o perdão das dívidas, a redistribuição dos bens surrupiados pela ganância, o retorno de todos para a terra, a implementação da justiça e o fim de toda opressão. Se há muita gente sofrendo, não é culpa de Deus, mas da maldade humana. A dor que aflige multidões deriva de um déficit de Evangelho. É o sofrimento ocasionado pela negação do acesso aos bens da terra cujo destino não é mais universal conforme o desejo do Criador, mas é desviado para os cofres dos ricos e poderosos. Falta até pão na mesa de milhões de pessoas, não porque a terra não o produza suficientemente, mas porque é negado pela voracidade de uns e jogado no lixo no lugar de ser compartilhado. Até as crianças, que pela idade deveriam rir à vontade e se divertirem com suas brincadeiras, derramam lágrimas em abundância. O sofrimento aparece também pela violência e sob forma de ultraje, preconceito, mentira, calúnia, perseguição, tortura e ameaça de morte, que, frequentemente, atingem as pessoas que acolhem o Evangelho e fazem dele a razão da própria vida. Quem se opõe ao projeto de Deus e sustenta a ordem injusta reage com a força, a violência, a difamação, o cárcere, quando não com a eliminação física. Este é o preço que paga quem luta pela justiça. A este Jesus chama de bem-aventurado, pois está em sintonia com Deus. Quanto aos ricos, fortes, fartos e perseguidores só tem a lamentar. Engana-se quem acha que os “ais” que Jesus pronuncia conforme o relato de Lucas são maldições. O ato de amaldiçoar não combina com Deus. Ele é Sumo Bem. Não conhece a vingança, a ira, a raiva assim como nós as vivenciamos no dia a dia. Os “ais” são advertências. São lamentações em estilo profético, isto é, advertências para aqueles que se obstinam a promover e apoiar uma ordem social injusta. Através deles Jesus denuncia a atitude mesquinha de quem coloca o sentido da vida na acumulação de bens materiais, na busca do poder e na obsessão pelo prazer. Admoesta aqueles que se fartam, consomem obsessivamente e desperdiçam, ignorando o indigente. Dá uma dura bronca contra quem se abandona aos prazeres do mundo às custas dos outros. Qual é o sentido de uma vida que transcorre desse modo? Jesus alerta quem se afasta do Evangelho, pois se dana por si mesmo. Quando não há Evangelho, sofrem as vítimas e se danam os carrascos. Mas Deus não se rende. Ainda insiste em propor o Evangelho da felicidade. A palavra bem-aventurança é um objetivo, uma meta que está ao alcance de tod@s. Toda a humanidade tem que voltar ao caminho que conduz à felicidade. Isso exige uma grande reviravolta. Mas é possível. Basta viver como Jesus de Nazaré. O/a verdadeiro/a “crente” não aquele/a que diz “glória’ de boca para fora, mas é aquele/a que se deixa desafiar pelo Evangelho e assume a vida de Jesus como seu projeto de vida. Foi isso que aconteceu com seus discípulos. Largaram tudo para estar com Jesus e aprender a ser como Ele, encantados pela beleza de sua vida. São Bernardo diz que os apóstolos nos ensinaram a VIVER BEM. Transmitiram-nos a vida boa, bela e bem-aventurada de Jesus de Nazaré. É essa a vida que também nós somos chamados/as a transmitir às pessoas com quem convivemos. A exemplo de Jesus, assumamos um estilo de vida sóbrio, simples, solidário, alicerçado na ética do cuidado, cheio de empatia e compaixão, sobretudo para com quem sofre. Os fartos compartilhem o pão com os famintos. Os ricos desistam da acumulação gananciosa dos bens para garantir que toda pessoa tenha acesso ao necessário para viver com dignidade. Os violentos se desarmem física e espiritualmente para ajudar na construção da cultura da paz. A felicidade só é possível se se vive pela felicidade alheia. Se isso não acontecer, a felicidade não chegará para todo mundo, mas só será garantida aos pobres, aos aflitos, aos famintos, os profetas da justiça, os construtores de paz e aos perseguidos, não por mérito deles, mas por benevolência do Pai que desde sempre tem predileção para com quem sofre inocentemente. Quem optar por viver longe de Deus e fizer chacota de seu ponto de vista em nome da riqueza, do poder, do sucesso e do prazer sem limites estará destruindo sua própria vida com suas próprias mãos. Mas Deus continuará oferecendo como sempre oportunidades de salvação.
(pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)