O Cumprimento da Lei é o Amor (Mt 5,17-19)
Mateus é judeu e escreve seu Evangelho para uma comunidade de judeus que seguem Jesus, mas que ainda nutrem um profundo sentimento de pertencimento às tradições de seu povo. Por isso faz questão de fazer referência o tempo todo aos Mandamentos sublinhando sua importância na história do povo eleito. Ao lembrar a recomendação de Jesus de não transgredir qualquer prescrição da Lei e dos Profetas, Mateus neutraliza o risco de indentificar Jesus como um libertário, um desordeiro, um anarquista que se opõe à tradição de Israel. Não é assim. Jesus, como diz expressamente, não veio para abolir a Lei e os Profetas, mas para dar-lhes pleno cumprimento. Sua missão é trazer de volta a aliança entre Deus e o seu povo. É resgatar seu verdadeiro sentido (Paulo Curtaz). A Lei de Deus é um pacto de amor entre pessoas que se querem bem e vivem em perspectiva da felicidade recíproca. Não foi dada ao povo para submetê-lo à tirania do Senhor, mas como pista para alcançar a plenitude da vida e a liberdade. Portanto, a lei conduz à vida, mas não dá a vida. É o amor que dá vida e quem ama tem vida e, portanto, cumpre a lei, não vai contra a vida. A lei é boa porque garante a dignidade humana, promove a solidariedade e visa ao bem comum. Cumpri-la é um prazer, pois contribui com a realização da humanidade e a garantia da liberdade. Transgredi-la, significa subverter a ordem, ameaçar a paz e deixar o mal à vontade para gerar dor e morte. Mas ela, ao longo da história foi distorcida, manipulada e contaminada com acréscimos, minúcias, interpretações e aplicações que desvirtuaram seu sentido e finalidade. Às poucas e claras indicações de Deus, foi acrescentada uma infinidade de prescrições e normas derivadas da tradição humana, que Jesus contestará publicamente no Sermão da Montanha, no qual ele defende a intuição original dessas palavras. Os fariseus a absolutizaram e consagraram o legalismo. A observância rigorosa tornou-se condição para alcançar a salvação. Esta deixou de ser dom gratuito de Deus para se tornar o prêmio devido a quem observava as minúcias da lei ao pé da letra ao ponto de passar, por cima da vida e da dignidade humana. Aquele que devia ser um conciso pacto de amor, pois para quem ama bastam poucas palavras, tornou-se uma lista interminável de minuciosas regras que infernizaram a vida pessoal, a relação com Deus e a convivência com os outros. O pacto de amor tornou-se um jugo pesado. O prazer de cumprir a Lei foi substituído pela fria observância burocrática e legalista. O acordo de pacífica convivência a serviço da comunhão fraterna transformou-se numa perversa ferramenta de criminalização e exclusão.
Jesus veio para libertar-nos da escravidão da lei, dando-lhe a possibilidade de ser superada ao alcançar o seu fim, o seu cumprimento, que é a vivência plena do Seu Amor. Ele veio para nos dar um coração novo, o coração do Filho. Através do dom de Seu Espírito nos permite cumprir não apenas os mandamentos formais, mas o mandamento do amor que é o cumprimento da lei.
(pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)