O Desafio da Liberdade
Nós não sabemos lidar com a liberdade, tanto com a nossa e menos ainda com a dos outros. Por isso, nos enchemos de constituições, leis, regras de vida, códigos deontológicos, preceitos e normativas. É sufocante, mas tudo isso torna-se “indispensável” porque não damos conta de suportar a nossa liberdade. Temos medo dela. Vivemos o tempo todo impondo-lhe limites. Sentimo-nos mais à vontade quando vivemos como “pau mandado” e podemos controlar os outros. Nossa consciência fica mais tranquila com a sensação do dever cumprido. A observância rigorosa das normas, custe o que custar, nos torna “justos” aos olhos dos outros e nos dá a possibilidade de olhar com desprezo para aqueles que as descumprem. Além do mais, à medida do poder que temos em nossas mãos, podemos criar regras e morais conforme nossos interesses para controlar e manipular a vida dos outros, cortar suas asas, enquadrá-los e institucionalizá-los. E, enfim, quando precisar, teremos até um álibi: “obedecemos a ordens”, “agimos conforme o gado”.
É muito mais fácil viver assim do que desfrutar plenamente da liberdade. Pois a liberdade custa caro. Obedece às regras do amor incondicionado. Traz consigo a paixão pela vida. Persegue incansavelmente o verdadeiro, o bem e o belo. Coloca-se a serviço do bem-estar dos outros. Esbanja ternura e cuidado. Semeia misericórdia e perdão. Só sabe amar desinteressadamente e sossega quando o bem está feito. Portanto, no lugar de investir nossas energias multiplicando regras, vamos apostar na educação à liberdade. Um bom mestre disso é Jesus de Nazaré. Ele é pessoalmente a Verdade que liberta, pois, paradoxalmente, há uma liberdade que escraviza, aquela que está a serviço da mentira e é investida em praticar o mal, espalhar ódio e incentivar a violência. Seu Evangelho, sem cortes e manipulações, é o caminho para aprender a lidar com a própria liberdade e desfrutar toda sua beleza. A liberdade é um dom de Deus que brota de Seu Amor incondicionado. Acontece só amando à maneira de Deus. Como dizia Santo Agostinho: “Ama e faz o que quiseres. Se calares, calarás com amor; se gritares, gritarás com amor; se corrigires, corrigirás com amor; se perdoares, perdoarás com amor. Se tiveres o amor enraizado em ti, nenhuma coisa senão o amor serão os teus frutos”. Só o amor nos torna livres e felizes. Regras sem amor não melhoram a vida, mas a infernizam. Só geram imaturos, legalistas e inadimplentes, dominadores e dominados, manipuladores e manipulados, vitimizadores e vitimados, espertos, trambiqueiros, corruptos e transgressores. Jesus é a pessoa livre por excelência. Sua liberdade consiste em ser Filho. Ele nos reconduz às nossas origens, nos revela a nossa verdadeira identidade e nos leva de volta à nossa casa, não como escravos, mas como filhos. O escravo está ligado ao patrão por um vínculo de sujeição, o filho, ao contrário, participa de uma profunda comunhão com o pai e vive ouvindo-o. Sentimo-nos, portanto, parte de uma família quando respiramos o ar da liberdade e quando nos devolvem aquela dignidade que sentimos ser nossa por natureza. Não podemos nos contentar em ser escravos, subordinados, assalariados, empregados que desfrutam de algum espaço em comum com seus senhores. Reapoderemo-nos de nossa liberdade de filhos vivendo em comunhão com o Filho. “Permanecer” em Sua Palavra é a condição indispensável que nos faz crescer gradualmente, sobretudo no amor e na liberdade. Voltar a ler e meditar o Evangelho pode marcar o início de uma mudança radical para nossa vida pessoal e comunitária. Conheceríamos a Verdade, a única que nos liberta; Jesus é a Verdade que Ele mesmo proclama com sua Vida. É um amor libertador que nos introduz a uma grande e inédita liberdade. Seu Evangelho é a “carta de alforria” da liberdade integral. Não combina com quem gosta de escravizar. As provas de sua presença e importância na vida pessoal e social são as relações de filiação com o Pai e de fraternidade entre as pessoas. Onde não se respira clima de família, não há Evangelho. Nessa perspectiva, a meditação da Palavra nunca é uma experiência intelectual, nem tampouco alienante, mas existencial. Como tal, transforma o coração e a vida. É por isso, e só por isso, que Jesus diz: “A verdade vos libertará”.
(Pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)