
O Escândalo da Encarnação – Quando Deus Nos Surpreende
Ao retornar a Nazaré, sua terra natal, Jesus é hostilizado pelos nazarenos (Mc 6,1-6). Mas Ele não reage com agressões, recriminações ou condenações, assim como não se exalta pelos sucessos. Nunca fica deprimido por um fracasso. Só fica “espantado” com a falta de fé deles. Ter fé é estar aberto à ação de Deus, confiar nele e na sua maneira original de agir, superar preconceitos, mudar de mentalidade, ver além das aparências e enxergar as pessoas como instrumentos da ação divina.
Mas não é isso que acontece com os familiares e amigos de Jesus. Eles não só se recusam a reconhecer a ação de Deus em Jesus, mas distorcem o acontecimento de Cristo e o transformam em um «escândalo», numa pedra de tropeço, num obstáculo à própria fé. Para os contemporâneos de Jesus, Deus não pode ser assim. O “filho de Maria”, que conheceram como “vizinho”, não pode ser o enviado do Altíssimo. Deus não pode ser humilde, simples, pobre, misericordioso como Jesus de Nazaré, pois esse seu jeito de ser desmonta nossas manias de grandeza. Sua encarnação escandaliza.
No final da passagem, Marcos observa que Ele não pode fazer algum milagre, mas logo se corrige: “Apenas curou alguns doentes, impondo-lhes as mãos”. Reparem neste detalhe extraordinário: também Jesus, mesmo sendo o Filho Unigênito do Todo-Poderoso, faz a experiência da impotência. Nada acontece automaticamente e nada é garantido pelo divino. O encontro com sua terra é um verdadeiro fracasso. Mas, mesmo rejeitado, ainda cura. O Deus caluniado continua amando. O amor não está cansado; está apenas admirado pela nossa incredulidade. O nosso Deus é assim: não desiste, nem guarda rancor (Pe. Ermes Ronchi). Continua fazendo o bem. Mesmo quando é contrariado, doa vida e exala o perfume da ternura.
Esta postura de Jesus é um exemplo para nós. Sua resistência e perseverança nos encorajam em nosso caminho de fé. Quem toma a decisão de segui-lo não pode desanimar diante das adversidades que surgem no serviço pastoral, mas deve cuidar para que os outros não abandonem a graça de Deus e que nenhuma raiz venenosa cresça, tumultuando e contaminando a comunidade com ideologias que não têm nada a ver com o Evangelho do Nazareno (Hb 12,12-15). O testemunho dos mártires da caminhada, sobretudo de Santa Águeda, cuja memória celebramos hoje, nos motive a firmar as mãos cansadas, fortalecer os joelhos enfraquecidos e acertar os passos dos nossos pés para testemunhar com a vida a fé que professamos.
( Pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano )