O Escândalo da Encarnação
O retorno de Jesus a Nazaré não foi fácil. O evangelista Marcos faz questão de reconstruir detalhadamente a dinâmica daquele tumultuado reencontro: num primeiro momento os nazarenos ouvem com atenção sua pregação e ficam admirados. Em seguida, se perguntam perplexos “De onde vem essa sabedoria?” e por fim se escandalizam, reconhecendo nele o carpinteiro, filho de Maria, que cresceu com eles (vv. 2-3). É por isso que Jesus conclui com a frase que se tornou proverbial: “Um profeta não é desprezado senão na sua própria terra” (MC 66,1-4).
Por que os conterrâneos de Jesus passam da admiração à incredulidade e à rejeição? Por causa das origens humildes e incertas do Mestre. Chegam ao ponto de difamar sua reputação Ele é carpinteiro e “filho de Maria”. Além de não ter estudado, tem paternidade duvidosa. Um filho, no mundo palestino, era sempre chamado pelo nome do pai, mesmo quando o pai estava morto. Então eles deveriam ter dito: “Não é esse o filho de José?” mas ignoram José. Dizer que alguém é filho de mulher significa que a paternidade é incerta. Tudo isso é para eles ” motivo de escândalo”.
Para a mentalidade retrógada, preconceituosa e caluniadora da aldeia de Nazaré, Jesus não pode ser um profeta, menos ainda o Messias tão esperado. Deus é grande demais para se rebaixar para falar através de um homem tão simples! Mas é justamente esta a Boa Notícia do Evangelho. Deus tem rosto de um ser humano. O Verbo prende forma num corpo frágil. Tem origens humildes e semblante “familiar”. É o escândalo da Encarnação. A humanidade de Jesus escandaliza. Para a mentalidade da “aldeia” é desconcertante o acontecimento de um Deus feito carne, que pensa com uma mente humana, trabalha e age com mãos humanas, ama com um coração humano, trabalha, come e dorme como um de nós. Escandaliza um Deus que não deve ser procurado nas alturas do Céu, mas pelas estradas do mundo, ao lado dos pobres e sofredores com um vidro de azeite para sarar as nossas feridas, sentado à mesa com pecadores, ajoelhado aos nossos pés com um jarro de água e uma toalha para colocar-se ao nosso serviço. É esse o motivo de escândalo e descrença não só naquela época, mas em todas as épocas, até os nossos tempos. A mentalidade preconceituosa da “aldeia” de Nazaré continua ainda hoje e é muto forte na comunidade não só em relação a Jesus de Nazaré, mas também para com aquelas pessoas que tomam a firme decisão de segui-lo. Jesus de Nazaré é rejeitado pelo significado radical de Sua Palavra. Aderir a Ele significa questionar as velhas e preconceituosas mentalidades a respeito de Deus, de si mesmo e dos outros à luz da novidade do Evangelho.
Jesus não reage com agressões, recriminações ou condenações; assim como não se exalta pelos sucessos, assim também nunca fica deprimido por um fracasso. Só fica “espantado” com a falta de fé deles. No final da passagem, Marcos observa que não pode fazer algum milagre, mas logo se corrige: “Apenas curou alguns doentes, impondo-lhes as mãos”. O Deus rejeitado ainda cura. O Deus caluniado continua amando. O amor não está cansado: está apenas admirado. O nosso Deus é assim: nunca guarda rancor (pe. Ermes Ronchi). Mesmo quando é contrariado, doa vida e exala o perfume da ternura.
(pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)