
O Evangelho tem Poder de Curar e Libertar
“Jesus chamou os doze discípulos e deu-lhes poder para expulsarem os espíritos maus e para curarem todo tipo de doença e enfermidade” (Mt 10,1).
Anunciar o Evangelho não é só dizer, mas também fazer. É cuidar, curar e libertar. Não se trata de agir de qualquer jeito, mas com poder. Escutar esta palavra da boca de Jesus parece até esquisito. O verbo que lhe agrada e que deve permear o agir do discípulo é servir. Mas quando está em jogo a dignidade de seus filhos e filhas Ele exige que se aja com poder. Não é o direito de mandar e desmandar que tanto fascina o ser humano. É um serviço feito com autoridade. Deus não tolera o desprezo para com a vida humana. Quando se trata de defender seus filhos e filhas intervém com autoridade e quer que seus discípulos e discípulas façam o mesmo. Não pode haver moleza com as ideologias e os projetos políticos, econômicos, religiosos e sociais que enganam o ser humano, o manipulam, o alienam e o desumanizam. Contra estes “espíritos impuros” não pode haver timidez ou excessiva prudência. Precisa falar e agir com firmeza e franqueza. Não há conversa. Entre eles e o Evangelho não há nenhuma possibilidade de acordo. Jesus veio para acabar com eles.
Não se trata de andar pelo mundo afora despejando baldes de água benta em rituais de exorcismo ou de atrair multidões iludindo-as com curas milagrosas enquanto os “demônios” pintam o sete pelo mundo afora, mas de enfrentar com coragem tudo aquilo que coloca em risco a vida, seu sentido e sua dignidade.
Este poder não é nosso. É dado do alto. Não é uma mania da nossa cabeça. É vontade de Deus. Não é uma invenção ideológica, mas uma verdade teológica. É um poder transmitido por Jesus que, por sua vez, o recebeu do Pai. Vem do Espírito e da Palavra. Não age como os poderes deste mundo que adoperam qualquer meio, inclusive, a mentira, a repressão, a força brutal das armas e a violência, para alcançar seus propósitos. É o poder desarmante do Evangelho que, quando é anunciado com fidelidade e acolhido na sua integralidade, por si mesmo, é capaz de colocar para fora do ser humano e das estruturas sociais, religiosas, políticas e econômicas tudo aquilo que vai contra os valores do Reino de Deus. O Evangelho de Jesus tem o poder de libertar e transformar. Mais Evangelho de Jesus Cristo significa mais vida, mais verdade, mais justiça, mais paz e mais misericórdia. É dessa certeza que nasce a urgência de anunciá-lo. A sua credibilidade aos olhos das pessoas depende também da “autoridade” do nosso testemunho. É a coerência da nossa vida que reveste de autoridade aquilo que falamos. Cuidemos dela.
Jesus não promete vida fácil. O sucesso não é automático. “Os espíritos imundos” não desistem facilmente. O importante é não desanimar e, sobretudo, não se deixar emporcalhar com a poeira de suas conversas, sujar com seus planos diabólicos e aliciar com suas propostas sedutoras. Fiquemos em alerta. Se isso acontecer, é bom dar uma sacudida no corpo para se livrar dessa poeira contaminada e seguir o caminho com a certeza da vitória. Em nosso caminho anunciemos com a nossa vida que o Reino de Deus está próximo, não no sentido que está para chegar, mas que já está ao nosso alcance. Deus já está presente no meio de nós através de seus discípulos e suas discípulas que andam pelo mundo afora não somente para pregar, mas, sobretudo, para curar e libertar. A Igreja sempre cuidou de quem sofre. Apesar de suas contradições, teve sempre uma atenção especial para com os mais pobres e abandonados, dando testemunho da bondade de Deus para com o ser humano na sua totalidade. Através das obras de misericórdia, sempre estimulou seus fiéis a ajudar o próximo nas suas necessidades corporais e espirituais. Instruir, aconselhar, consolar, confortar, são obras de misericórdia espirituais, como perdoar e suportar com paciência. As obras de misericórdia corporais consistem nomeadamente em dar de comer a quem tem fome, albergar quem não tem teto, vestir os nus, visitar os doentes e os presos, sepultar os mortos. Entre estes gestos, a esmola dada aos pobres é um dos principais testemunhos da caridade fraterna e uma prática de justiça que agrada a Deus. A lista pode ser atualizada a partir das novas pobrezas e dos novos desafios que surgem na atualidade, mas não pode ser descuidada e arquivada. Defender e promover os direitos humanos é, com certeza, uma obra de misericórdia que agrada a Deus. Estas ações, realizadas no âmbito pessoal, comunitário e estrutural, constituem “uma maneira de acordar a nossa consciência, muitas vezes adormecida perante o drama da pobreza, e de entrar cada vez mais no coração do Evangelho, onde os pobres são os privilegiados da misericórdia divina. A pregação de Jesus apresenta-nos estas obras de misericórdia, para podermos perceber se vivemos ou não como seus discípulos” (Papa Francisco). Cuidar do ser humano é cuidar de Deus. Ele nos criou corpo e alma. Não despreza o corpo. Não está interessado às obrigações da alma à revelia dos direitos do corpo. Quer uma “alma salvada” num corpo tratado com dignidade. Jesus mostrou isso com seu cuidado para com os corpos doentes, escravizados, maltratados e desprezados. Aproximou-se deles não com um preceito ou simplesmente com uma palavra de consolação, mas com sua infinita bondade e seu poder de curar e libertar. O(a) agente de pastoral que prioriza a “alma” em detrimento do “corpo” não está em sintonia com os ensinamentos do Mestre e a vontade de Deus. Como também, não basta assistir o “corpo” sem alimentar a alma com os valores eternos. Infelizmente, está voltando com força uma diabólica contraposição entre alma e corpo, material e espiritual. O mundo quer nos prender dentro dos limites estreitos de uma espiritualidade que, deixa de ser a vida conforme o Espírito de Amor da Trindade, para se tornar espiritualismo evasivo. Quer limitar o nosso campo de ação somente às almas. para que possa continuar explorando os “corpos” como pior entender. Lembro de um militar que estava dirigindo um presídio que, ao ser questionado a respeito das marcas de tortura nos corpos de vários apenados sob sua jurisdição, me respondeu que meu papel era cuidar da alma e que a ir(responsabilidade) dos corpos era tarefa dele. Cuidar dos “corpos” para que tenham todos seus direitos garantidos e a dignidade respeitada faz parte da atividade evangelizadora da Igreja. Inclusive, ouso dizer que o nosso cuidado com a vida é a melhor maneira de mostrar que Deus é bom, que é alguém que se doa, trazendo sempre vida, paz e alegria a todos/as. Não aguemos o “vinho novo” do Evangelho. Não tiremos dele o poder de curar e libertar.
(pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)