O feminicida é filho legítimo do patriarcado
A cada 15 horas, um homem mata uma mulher no Brasil. Quem mata muitas vezes é identificado como um monstro, mas monstro não é. Um monstro é uma exceção, uma pessoa fora da sociedade, um doente inimputável pelo qual a sociedade não tem que assumir responsabilidades. Quem pratica violência contra a mulher não é doente, mas o “filho saudável” do patriarcado, o descendente legítimo da “cultura do estupro” que valida e até exalta qualquer comportamento que prejudique a mulher. Todo homem é privilegiado por essa cultura. Costuma-se dizer que “nem todos os homens são estupradores”, mas quem estupra e mata, salvo raríssimas exceções, é sempre o homem. É aí que reside a responsabilidade de todos os homens. É dever de todos nós chamar a atenção de amigos e colegas assim que percebermos o menor indício de violência de gênero. Aqueles comportamentos que infernizam a vida da mulher não podem ser motivo de piada e, pior ainda, motivo de orgulho. Não devem também ser considerados “gestos de amor”, mas o prelúdio do feminicídio. O amor não tem nada a ver com violência. Não combina com xingamentos, humilhações, tapas, chutes, socos, tiros e facadas. Um homem que humilha e bate na mulher não a ama. É bom deixar isso bem gravado na memória do nosso cérebro desde o primeiro tapa, porque, com certeza, depois do primeiro chegará o segundo, o terceiro, o quarto e muito mais. Cabe a nós dizer aos colegas machistas que se uma mulher se emancipa não é uma “vagabunda”, mas simplesmente uma mulher livre para escolher, para decidir sobre sua vida e até mesmo livre para deixar quem não consegue amar mais. Ela não pretende o lugar de ninguém. Quer o seu lugar, aquele que lhe pertence de direito. Amor é cuidado, não posse. Entender e praticar isso exige uma mudança, mas não basta aquela de um indivíduo. É o sistema que deve mudar. Não é certo que um homem ciumento acabe se tornando um assassino. Isso não aconteceria, se lhe disséssemos de procurar ajuda profissional ou se o denunciássemos antes de chegar às vias de fato. As mulheres estão mostrando mais coragem do que os homens. Elas estão denunciando enquanto os homens continuam em silêncio, dando cobertura a quem parte para a violência numa espécie de cumplicidade entre homens. O assassinato é o topo de uma escala, o mais terrível, mas não dá para desconsiderar todos os outros passos anteriores. Nós podemos não ser responsáveis pela violência, mas seremos responsáveis se não fizermos nada para impedi-la.
“O feminicídio é também um assassinato de Estado, porque o Estado não protege suficientemente as mulheres. Pede para denunciar, mas depois não garante a proteção necessária. Muitas mulheres morrem ao saírem das delegacias depois de terem denunciado os abusadores.
Enfim, o feminicídio não é crime passional, é crime de poder. Precisamos de uma educação sexual e afetiva capilar. Necessitamos de centros de luta contra a violência e temos de dar às mulheres que deles necessitam a oportunidade de pedirem ajuda. Não serve fazer um minuto de silêncio toda hora que uma mulher tomba pela violência machista. Servem os minutos que dedicamos para prevenir e impedir a violência.” (Pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)
(Texto inspirado nos testemunhos de Elena Cecchettin, irmã de Júlia, assassinada pelo ex-namorado, e de Luciana Littizzetto).