O Homem de Fé atrás da Farda
O Evangelho de hoje traz um hóspede aparentemente indesejado (Lc 7.1-10). .Trata-se de um graduado do exército romano, detestável por estar a serviço de um regime autoritário, desprezível por não pertencer ao povo eleito e considerado impuro por ser pagão. Contudo, ele faz a diferença. Tem traços positivos que chamam a atenção de todo mundo ao ponto de ser elogiado pelo próprio JesuS e ser apontado como um exemplo de fé para todo o povo de Israel.
Em primeiro, lugar, destaca-se por sua humanidade. O oficial romano é uma boa pessoa. Preocupa-se com a saúde do seu servo que está à beira da morte. Os anciãos dos Judeus que ele envia até Jesus para pedir-lhe a cura de seu empregado dão testemunho de sua benevolência. Mesmo estando a serviço do regime tirânico do Império romano, não incute medo. Não é um militar truculento, que abusa de sua autoridade para cometer arbitrariedades. É um homem generoso. Estima o povo de Israel e, apesar de ser pagão, respeita suas tradições religiosas. Até construiu uma sinagoga para a comunidade se reunir e ouvir a Palavra de Deus. Ele não permite que a farda lhe impeça de permanecer humano. Apesar das obrigações derivantes de sua função, não abdica de seu coração. Mesmo sabendo da hostilidade que seu papel provoca na população local, procura estabelecer uma relação afetiva com as pessoas. Num mundo marcado pela violência, cultiva uma mansidão incrível e um cuidado especial para com os problemas da comunidade. Em tempos de abuso de autoridade, de truculência e de violência de setores da segurança pública que acaba atingindo pessoas inocentes, aflora como exemplo de um bom policiamento comunitário que visa, de verdade, o bem estar e a segurança da comunidade, fortalecendo a cultura da paz..
Aquele estrangeiro é também uma pessoa humilde. Não ousa se aproximar de Jesus para lhe pedir diretamente a sua intervenção em benefício do seu servo. Envia, primeiro, uma comissão de anciãos e, depois, quando Jesus está chegando à sua casa, manda alguns amigos dizerem: “Senhor, não te incomodes, pois não sou digno de que entres em minha casa. Nem mesmo me achei digno de ir pessoalmente ao teu encontro”. Mesmo na ânsia de resolver o problema de saúde de seu servo, não descuida de Jesus. Sabendo que a ida dele até sua casa poderia colocá-lo em dificuldade em relação às obrigações religiosas locais por ele ser considerado “impuro”, declara-se indigno de recebê-lo em sua casa.
Todo esse amor e cuidado com as pessoas arrancam dele uma das mais bonitas declarações de fé em todo o Evangelho: “Dize uma só palavra e o meu empregado ficará curado”. Nenhum membro do “povo eleito” demonstra um amor e uma fé tão intensas como este “pagão”. O próprio Jesus repara isso: “Em verdade vos digo, nunca encontrei em Israel alguém que tivesse tanta fé” (Lc 7,9))
A fé do centurião é paradigmática. Escancara um horizonte luminoso para os “pagãos”, os descrentes, os excluídos e os que se consideram ou são julgados moralmente indignos. Deus não exclui ninguém. A sensação de indignidade que muita vezes nos acompanha por causa de nossas fralgilidades não é motivo para quebrar a relação com Ele. Pelo contrário, torna-se um motivo a mais para confiar nele em sua misericórdia. Deus está disposto a entrar em qualquer “casa” e habitar em qualquer vida. É só abrir-lhe as portas. Para Deus não existem “vizinhos” e “distantes”, mas só próximos. A fronteira entre os que creem e os que não creem já não passa pela pertença a uma determinada etnia, a um grupo político, a uma comunidade religiosa, cultural e social ou o papel e a função exercida na comundiade, mas pela fé, a esperança, a caridade. O que faz o/a crente não é a adesão formal a uma doutrina, tampouco são as práticas religiosas que nem sempre cheiram à Evangelho, mas é Jesus de Nazaré e a adesão ao Seu projeto de vida. O oficial romano, mesmo sendo considerado um de fora, está mais próximo de Jesus do que as pessoas da turma de “dentro’. Apesar de não pertencer ao sistema religioso da época, não deixa de procurar Jesus, de falar com ele e de revelar-lhe o que mais deseja: o bem de seu servo. Sua fé fora dos esquemas tradicionis denuncia a incredulidade dos que resistem a crer e se torna exempo para todas as pessoas que estão em busca de uma relação autêntica com o Deus de Jesus de Nazaré. Cuidado com o nariz empinado, a arrogância religiosa e o orgulho de achar-se melhor do que os outros por ser cristão/ã de longa data, “crente” por tradição e hábito. Os novos tempos em que vivemos obrigam-nos a redescobrirmos seriamente a nossa fé, tomando, como modelo, o caminho percorrido pelo “centurião pagão” (Paulo Curtaz). Por incrível que pareça e por quanto duro seja aceitar isso, devemos admitir, por experiência, que tem muita fé fora dos recintos de nossos templos. Tenhamos a humildade de reconhecê-lo e de aprender com as lições de fé que vem da “rua”.
(pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)