O jeito de ser da Igreja é o serviço
A casa de Pedro em Cafarnaum se torna a primeira comunidade de Jesus. Mas, desde o primeiro instante, o Mestre percebe que nela existe um grave problema. A “sogra de Pedro está com febre” (Lc 4,38-39). É evidente que a sua condição de saúde se torna motivo para uma reflexão mais ampla. O evangelista Marcos, ao narrar o mesmo fato, descreve a cena detalhadamente para que possamos ler o milagre como uma parábola. A “sogra de Pedro” é imagem de uma comunidade adoentada, impossibilitada de erguer-se e movimentar-se, acostumada a ser servida no lugar de servir. Qual é a enfermidade? O mesmo evangelista Marcos faz o diagnóstico. No capítulo 9,33-37 de seu Evangelho narra que, ao voltar para Cafarnaum, já quando estava “naquela casa”, Jesus perguntou a seus discípulos do que estavam falando ao longo do caminho. Eles ficaram em silêncio morrendo de vergonha pois pelo caminho estavam discutindo entre si qual seria o maior. Essa é a principal doença que aflige desde sempre a “casa de Pedro”. Com o suporte do Espírito nela acontecem muitas coisas bonitas, mas intrigas, rivalidades, carreirismo, narcisismo, alianças interesseiras e obsessão pela fama marcam seu dia a dia deturpando sua identidade e colocando em risco sua missão a serviço do Reino. A febre da “sogra de Pedro” é sintoma da obsessão pelo poder. É uma patologia grave que só Jesus pode curar. Como? Em primeiro lugar não pode ficar escondida ou disfarçada sob argumentos fictícios ou desculpas esfarrapadas. É necessário admitir sua presença e procurar o “médico”. É urgente falar dela para o Mestre. É isso que fazem Pedro e André quando Lhe contam o que está acontecendo. Jesus não tem uma reação histérica. Não dá bronca. Aproxima-se. Ele veio para curar a humanidade. Não é a bondade das pessoas que o atrai, mas suas necessidades. “Afinal, não veio ocupar-se com os anjos, mas com a descendência de Abraão’ (Heb 2,16). Aproxima-se e inclina-se sobre ela. Ameaça a febre como mesmo tom com que ameaça os espíritos impuros, pois afinal a febre do poder é uma das piores manifestações do maligno haja vista que, nome dele, são praticados atos de inaudita violência. “Imediatamente, ela se levantou e começou a servi-los”. Quantos problemas conseguiríamos resolver em nosso meio e quantas pessoas conseguiríamos resgatar se as aproximássemos no lugar de exclui-las e nos dobrássemos sobre seus problemas em vez de apontar o dedo e descer a lenha. Graças à Sua ajuda, ela se levanta. O verbo grego utilizado para descrever esta ação é o mesmo utilizado para falar da Ressurreição. Jesus não está curando uma simples doença, está ressuscitando sua comunidade. Ao livrá-la da obsessão pelo poder, a coloca em pé para servir. O verbo utilizado no texto original é “diakoneo” e o tempo é o aoristo. Estes detalhes aparentemente insignificantes, indicam que a partir daquele momento a sogra de Pedro se colocou a serviço de Jesus e da sua comunidade. Doravante a exercício da diakonia não é um ato pontual, mas a marca registrada da comunidade. É o jeito de ser da Igreja. É emblemático reparar que, num ambiente dominado por homens acostumados a mandar e desmandar, a primeira a levantar-se da febre do poder e a dar uma lição de serviço não como submissão servil imposta, mas como opção de vida, seja uma mulher que, apesar dos preconceitos que cercam a figura de sogra, é também mãe. Gosto de pensar – como diz Papa Francisco – que a Igreja não é “o Igreja”, é “a Igreja”. A Igreja é feminina, é mãe a serviço da vida, com cuidado especial para com os filhos e filhas que apresentam mais problemas e têm mais dificuldades. Não podemos negar que as mulheres têm um papel decisivo nas nossas comunidades mesmo se nem sempre é devidamente valorizado.
Só assim a comunidade de Cafarnaum pode sair e anunciar a Palavra às multidões que a aguardam à sua porta. Deixa a cômoda posição de “ser servida” para levantar-se e pôr-se a serviço. Vai ao encontro das pessoas não com pinta de conquistador, a arrogância do dominador e a intransigência do moralista intolerante, mas a humildade e a generosidade de quem, “tendo ele mesmo sofrido ao ser tentado, é capaz de socorrer os que agora sofrem a tentação” (Heb 2,18). Fora da “casa de Pedro” tem uma multidão aflita por males gerados sobretudo pelo abuso de poder, pela mania de grandeza, pelo narcisismo, pela ganância, arrogância e intolerância. São homens e mulheres que aguardam ansiosamente o Evangelho, a Palavra que cura, liberta e salva. Estão fartos/as de brigas, guerras e disputas de poder. Não aguentam mais tanto ódio e humilhação. Desejam a paz verdadeira. Buscam o reconhecimento da própria dignidade. Da casa de Pedro esperam acolhida, cuidado, respeito e serviço. Sonham com “uma comunidade que seja testemunha viva da verdade e da liberdade, da justiça e da paz, para que toda a humanidade se abra a esperança de um mundo novo” (oração eucarística VI D). A casa de Pedro mata essa expectativa quando se apresenta ao mundo sedenta de poder, doente de auto referencialidade e lacerada por conflitos.
Jesus não veio para ser servido, mas para servir. Espoliou-se de todas as insígnias de poder para vestir um avental. Esse é o “paramento” que veste na “liturgia” da última Ceia. E nunca mais tira. O seu gesto de dobrar-se para lavar os pés dos apóstolos é a ícone que a “casa de Pedro” precisa contemplar a e assimilar para tornar-se a casa onde Deus e a humanidade se sentem à vontade.
(pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)