
O jejum acaba. Começa a festa
Os zelosos guardiões da tradição estão de olho nos discípulos de Jesus. Não se conformam com a alegria daqueles que gravitam ao redor do Mestre de Nazaré. No rosto deles transparece algo de diferente, uma vitalidade inusitada, uma liberdade que, comparada com a observância escrupulosa, soa como transgressão e libertinagem. O assunto em questão é a prática do jejum. Os discípulos de Jesus não jejuam. A Torá mandava jejuar uma vez por ano, durante a festa do Yom Kippur, isto é, no dia da expiação, mas os fariseus faziam questão de jejuar duas vezes por semana, além de pagar o dízimo da hortelã, da erva-doce e do cominho. Os coitados sofriam a síndrome da prestação de serviço. Precisavam mostrar a Deus que estavam em dia com o cumprimento de seus deveres. Concebiam a fé como um mero ato de vontade. Submetiam-se a uma disciplina férrea buscando agradar a Deus com a execução de uma série interminável de obrigações, pois, segundo eles, era a única maneira de merecer o céu. Sua vida era um “inferno”, pois eram escravos do perfeccionismo e dependiam demasiadamente da opinião alheia. Ao mesmo tempo, infernizavam a vida dos outros obrigando-os a fazer a mesma coisa.
Jesus, como de costume, dá uma resposta surpreendente e inquietante. Ele os convida a mudar de perspectiva, a criar um novo hábito mental, a deixar que o vinho novo do apaixonamento e da festa tome o lugar da tristeza angustiante do rigorismo legal. Recorre à imagem do amor nupcial, que é maneira mais bonita de expressar a nossa relação com Deus. Jesus é o Noivo tão esperado. Os seus discípulos deixam de jejuar porque nele encontraram o Amor. O Amado está presente. A Aliança está restabelecida. A salvação irrompeu na história. Sai de cena o rigor legalista e irrompe o amor com toda sua carga de ternura, alegria, paixão avassaladora, gratuidade e fidelidade. Neste contexto de festa é inadmissível qualquer forma de penitência e de jejum. Os “justos” jejuam porque não reconhecem o Noivo, não se alegram com sua presença, ignoram o amor gratuito de Deus que come com os pecadores. Empenhados obsessivamente em merecer o amor de Deus por meio de suas obras, eles não percebem que o amor merecido não é nem gratuito nem amor; excluem-se dele precisamente pelo seu esforço para conquistá-lo. Em Jesus se celebram as bodas de Deus com a humanidade. Ele se une a nós para unir-nos a Si mesmo. A partir de sua vinda, entre nós e Deus não tem mais uma relação comercial baseada sobre a troca entre méritos e prémios, mas uma relação de comunhão e intimidade de vida. Formamos uma só carne e temos um só Espírito. Terá momentos em que o esposo será tirado. Haverá situações em que a relação se estremecerá. Então o jejum voltará como experiência de vazio cheia de saudade do amor perdido, de esperança do reencontro e de desejo ardente de abraço. Não será uma questão de estômago, mas de coração. Não será uma renúncia deste ou aquele alimento, mas a busca ativa do verdadeiro alimento. Será um gesto pedagógico que traz à tona a experiência da fome de Deus em quem está entupido, mas não satisfeito; com a barriga cheia, mas com uma terrível sensação de vazio. O jejum funciona se leva a totalidade da pessoa a reconhecer que só Deus basta, como dizia santa Teresa. Não se trata de uma experiência de isolamento ascético. O abandono n’Ele é um mergulho na Caridade que, além de satisfazer a “fome de plenitude” de quem O procura, o leva naturalmente a praticar a caridade com os outros com um envolvimento tão intenso que até se esquece de cuidar de si mesmo e de se alimentar. Portanto, não demandemos à barriga, aquilo que só o coração pode e deve fazer. Alimentemo-nos de Amor para amar como Jesus de Nazaré nos mostrou com suas palavras e gestos.
Esta é a novidade do Evangelho que nem todo mundo consegue acolher e aceitar. Com as parábolas do novo e do velho (vv. 21-22), Jesus chama a atenção sobre a resistência “aos panos novos e vinho novo” em nome do equilíbrio, da prudência, da tradição, da lei do “sempre foi feito assim”. Mesmo se tudo isso pode ter tido sua importância no passado, na realidade se torna um obstáculo para a permanente conversão à novidade do Evangelho. Jesus Cristo é pano novo, vinho novo. Não dá para reduzi-lo a um simples remendo em panos velhos ou prendê-lo na odres das nossas velhas mentalidades. Deixemo-nos renovar pelo Seu Espírito e, sobretudo, revestir-nos de festa. Como dizia pe. Silvano Fausti: “Não é bom combinar o velho e o novo, o passado e o presente, a lei e o evangelho. Temos de ter a coragem de mudar, não de combinar. O Evangelho é uma cilada para os equilíbrios pré-estabelecidos em nós e fora de nós. O velho teve a sua utilidade, mas agora dá lugar à novidade do presente. A espera termina no esperado, o caminho se aplaca na meta, o cansaço do movimento descansa na chegada. O jejum termina e o banquete começa”.
(pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano).