
O Jejum que Agrada a Deus
Desta vez Jesus é alvo de “fogo amigo”. O questionamento parte dos discípulos de João Batista. Trata-se de pessoas boas, com sincero desejo de conversão e salvação. André e João também faziam parte deste movimento antes de conhecerem Jesus. O assunto em pauta é o jejum: “Por que razão nós e os fariseus praticamos jejuns, mas os teus discípulos não?”. Eles estão certos. Estão cumprindo a Lei. Estão fazendo exatamente o que aprenderam de seus mestres. Por que os seus discípulos não fazem o mesmo? Que raça de rabino é ele que não ensina o que é certo? Qual é a diferença entre ele e João Batista e os mestres dos fariseus? Afinal, quem é ele, ou melhor, quem pensa que ele é? A pergunta é pertinente. Aquele Mestre é diferente dos outros. O próprio João Batista, trancado no porão do Palácio de Herodes, é tomado por dúvidas ao ponto de enviar uma comissão de discípulos para perguntar a Jesus se é Ele o Messias que deve vir. As perguntas são importantes. Podem ser a chance de novas descobertas. Servem para abrir novos caminhos e enxergar novos horizontes. Jesus aproveita da oportunidade e responde com outro questionamento que desloca a conversa das questões meramente legais para si mesmo. Os seus discípulos não jejuam como os outros não pelo simples prazer de descumprir a Lei, mas porque o Noivo está com eles: “Por acaso, os amigos do noivo podem estar de luto enquanto o noivo está com eles?”. Trata-se de uma questão central que revela o essencial da nossa fé. Não dá para compreender a fé cristã sem a referência a Jesus, sem a adesão à sua pessoa. A fé cristã não pode ser reduzida a um arcabouço de leis, doutrinas e ritos, mas é o encontro com a pessoa de Jesus e a disposição a deixar tudo para segui-lo. No entanto, há uma tentação frequente de viver um cristianismo sem Cristo, feito apenas de hábitos, ritos e preceitos. Tal religião, na verdade, não é muito diferente das outras. Os discípulos de Jesus não jejuam porque estão com o NOIVO, estão participando da festa de suas “núpcias”. A imagem é fortemente reveladora para quem conhece a Sagrada Escritura. Ao longo do Antigo Testamento era muito usada para descrever a relação de amor entre Deus (o noivo) e o Seu povo (a noiva). Jesus é o Noivo que vem não para cobrar, mas para amar sua noiva. É o “marido fiel” que nunca mais quer ser chamado de “meu Baal”, como diz o profeta Oséias. É o “noivo apaixonado que vem seduzir o seu povo e conduzi-lo para o deserto para falar ao seu coração (Os 2,16). É o Deus que se alegra conosco “assim como o noivo se alegra com a noiva” (Is 62,5). “É o meu amado e eu sou dele”, como reza o Cântico dos Cânticos (Ct 2,16). É nisso que consiste o cristianismo: numa relação de amor com Deus. Todo o resto é consequência. Os discípulos de Jesus deixam de jejuar porque nele reencontraram o Amor. Sai de cena o rigor legalista e irrompe o amor com toda sua carga de ternura, alegria, paixão avassaladora, gratuidade e fidelidade. Neste contexto de festa de casamento é inadmissível qualquer forma de penitência e de jejum. Os “fariseus” jejuam porque não reconhecem o Noivo, recusam Jesus, não se alegram com sua presença, ignoram o amor gratuito de Deus que sai à procura da ovelha perdida, se dobra sobre as feridas humanas para curá-las, se senta à mesa com os pecadores e se ajoelha aos pé dos discípulos em atitude de serviço. Em Jesus se celebram as bodas de Deus com a humanidade. Ele se une a nós para unir-nos a Ele. A partir de sua vinda, entre nós e Deus não tem mais uma relação de cobrança ou interesseira baseada sobre a troca entre méritos e prémios, mas uma relação de amor, de comunhão e intimidade de vida. Formamos uma só carne e temos um só Espírito. Terá momentos em que o esposo será tirado. Haverá situações em que a relação se estremecerá. Então o jejum voltará. Não será uma questão de estômago, mas de coração. Não será uma renúncia deste ou aquele alimento, mas a busca ativa do verdadeiro alimento. Será um gesto pedagógico que traz à tona a fome de Deus. “Não só de pão vive o ser humano, mas de toda Palavra que sai da boca de Deus”. Então é fácil perceber que não é o jejum que salva. Como também o jejum não pode ser liquidado à abstinência da carne ou a uma simples redução da quantidade de comida. O que deve ser evitado é o ódio, a violência, o egoísmo, a mentira, o preconceito… O jejum que Jesus tem em mente é a partilha do pão com o faminto, a busca da paz, a construção de relações de fraternidade e a realização da justiça para os oprimidos. É cuidar da “carne” do irmão é da irmã que é da nossa mesma carne. É mais um golpe no formalismo de tantas práticas “religiosas”. Alguém afirma que este jejum é demasiadamente “horizontal”. Mas é aquele que agrada a Deus, conforme a profecia de Isaias (Is 58,1-9). Chega a ser blasfema a contraposição entre a dimensão “horizontal” e “vertical” da fé. Não há rivalidade entre Deus e a humanidade. Deus se sente amado no amor dedicado aos irmãos e irmãs, sobretudo quando este amor brota de Seu coração. “A religião pura e sem mancha diante de Deus, nosso Pai, consiste em socorrer os órfãos e as viúvas em seu sofrimento e não se deixar corromper pelo mundo” (Tg 1,27). A fé sem as obras de amor é estéril. (pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)