O medo da profecia
Ao longo de todo o Evangelho de Marcos há uma sucessão de perguntas e tentativas de respostas a respeito da identidade de Jesus. O texto de hoje é só um traço desta longa discussão (Mc 6,14-29). Alguns dizem que é João Batista, outros que é Elias, outros ainda que é um profeta. A resposta definitiva só será dada aos pés da cruz. O “teólogo” que descobrirá a verdade não será um membro do povo de Israel, mas um “pagão”. Até Herodes se envolve nesta conversa e dá seu palpite: “Ele é João Batista. Mandei cortar a cabeça dele, mas ele ressuscitou!” (Mc 6,16). Estava convencido que havia se livrado do profeta, mas provavelmente a cena daquele crime hediondo cometido a sangue frio para satisfazer o desejo de vingança da amante que usa a filha para conseguir o que deseja, tornara-se um pesadelo. Persegue-o até perder o sono. Mesmo degolado, João continua falando. Suas duras palavras ecoam entre as paredes do palácio atormentando-o. João pode estar morto, mas sua profecia continua viva como nunca, reavivada nos comentários dos seus súditos a respeito de Jesus de Nazaré que tanto lhe lembra a coragem do profeta que mandara matar. Herodes fica perdido. Não sabe o que fazer. Gosto desse seu medo e insegurança. É a prova do poder da Palavra, da força da profecia. A Palavra é sempre eficaz, inclusive naqueles que a recusam. Por onde passa deixa sua marca. Quem a acolhe vive e quem a recusa, mesmo se for poderoso, perde o sossego. Apesar de esbanjarem arrogância, os tiranos temem a ousadia dos profetas e fazem de tudo para se livrarem deles. . Engana-se quem pensa que matando os profetas se livra da profecia. Esta continua impertérrita o seu caminho questionando, incomodando, desmascarando, denunciando, libertando, apontando caminhos de conversão e libertação, promovendo a vida, construindo a paz e implantando a justiça. Com a morte dos profetas a profecia não é enterrada, mas semeada e, pelo poder criativo que ela possui, se multiplica por outros cantos e em outras pessoas, incomodando quem a recusa e dando vida a quem a acolhe em seu coração. O Evangelho não admite acordos, ajustes e descontos para amenizar o impacto na vida das pessoas, minimizar seus efeitos nas estruturas da sociedade e conseguir privilégios. O anúncio do Reino de Deus e de suas exigências se choca inexoravelmente com a arrogância dos poderosos e a perversidade dos projetos religiosos, políticos econômicos e sociais que estão a serviço da idolatria e da morte. Se este conflito não acontecer, é bom se questionar sobre a autenticidade da nossa missão. “A perseguição é algo necessário na Igreja – dizia São Oscar Romero -. Sabem por quê? Porque a verdade sempre é perseguida. […] “Se alguém vive um cristianismo muito bom, mas que não se conecta com nosso tempo, não denuncia as injustiças, não proclama o Reino de Deus com valentia, não combate os pecados da humanidade, que consente, para estar de bem com certas classes sociais, com os pecados dessas classes, está pecando, está traindo sua missão, não está cumprindo seu dever. A Igreja existe para a conversão das pessoas, não para dizer que tudo o que fazem está bom; por isso, naturalmente, desagrada. Todo aquele que nos corrige, desagrada” (id.). Precisamos hoje como nunca de vozes proféticas que não têm medo de “perder a cabeça”, o prestígio e o poder em nome da verdade. Chega de omissão. “Não se opor ao erro é aprová-lo, não defender a verdade é negá-la!” (São Tomás de Aquino). Deus nos perdoe quando nos acovardamos por medo de arriscar a pele.
(pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)