
O NÓ NA PONTA DO LENÇOL PARA DIZER “TE AMO”
Li uma vez, no portal da família (www.portaldafamília.org.br), uma história que me fez pensar muito. Em uma reunião de Pais, numa Escola da Periferia, a Diretora ressaltava o apoio que os pais devem dar aos filhos. Pedia-Ihes, também, que se fizessem presentes o máximo de tempo possível. Ela entendia que, embora a maioria dos pais e mães daquela comunidade trabalhassem fora, deveriam achar um tempinho para se dedicar aos/as filhos/as. Mas a diretora ficou muito surpresa quando um pai se levantou e explicou, com seu jeito humilde, que ele não tinha tempo de falar com o filho, nem de vê-lo durante a semana. Quando ele saía para trabalhar, era muito cedo e o filho ainda estava dormindo. Quando ele voltava do serviço era muito tarde e o garoto não estava mais acordado. Explicou, ainda, que tinha de trabalhar assim para prover o sustento da família. Mas ele contou, também, que isso o deixava angustiado por não ter tempo para o filho e que tentava se redimir indo beijá-lo todas as noites quando chegava em casa. E, para que o filho soubesse da sua presença, ele dava um nó na ponta do lençol que o cobria. Isso acontecia, religiosamente, todas as noites quando ia beijá-lo. Quando o filho acordava e via o nó, sabia, através dele, que o pai tinha estado ali e o havia beijado. O nó era o meio de comunicação entre eles. A diretora ficou emocionada com aquela história singela e emocionante. E ficou surpresa quando constatou que o filho desse pai era um dos melhores alunos da escola.
Este testemunho nos faz refletir sobre as muitas maneiras de um pai ou uma mãe se fazerem presentes, de se comunicarem com os/as filhos/as. Aquele pai encontrou a sua, simples, mas eficiente. E o mais importante é que o filho percebia, através do nó afetivo, o que o pai estava lhe dizendo. Por vezes, nos importamos tanto com a forma de dizer as coisas e esquecemos o principal, que é a comunicação através do sentimento. Simples gestos como um beijo e um nó na ponta do lençol, valiam, para aquele filho, muito mais que presentes ou desculpas vazias. É válido que nos preocupemos que não falte nada aos/às nossos/as filhos/as, mas é importante que eles/as saibam; que eles/as sintam isso. Para que haja a comunicação, é preciso que os/as filhos/as “ouçam” a linguagem do nosso coração, pois em matéria de afeto, os sentimentos sempre falam mais alto que as palavras. É por essa razão que um beijo, revestido do mais puro afeto, cura a dor de cabeça, o arranhão no joelho, o ciúme do bebê que roubou o colo, o medo do escuro. A criança pode não entender o significado de muitas palavras, mas sabe registrar um gesto de amor. Mesmo que esse gesto seja apenas um nó. Um nó cheio de afeto e carinho. Felizes as crianças e os/as adolescentes que podem desfrutar deste carinho, pois contam com a presença real do pai em sua vida. E para quem não tem essa sorte? Aí é conosco mesmo. Entra em cena a turma da acolhida e da solidariedade. Obrigado a todos/as os/as educadores/as da Pastoral da Criança, da Pastoral do Menor, das outras Pastorais Sociais, dos movimentos e entidades da sociedade civil que, com grande generosidade, assumem provisoriamente o cuidado paterno e materno destas crianças e adolescentes e trabalham incansavelmente para garantir-lhes o mais rápido possível a convivência com o pai e a mãe de verdade. O poder público e a sociedade, em geral, deveriam procurá-los/as não para criticar ou ameaçar, mas para agradecê-los/as pelo seu exemplo e manifestar gratidão pelo cuidado que têm pelas crianças e adolescentes com os vínculos familiares fragilizados, muitas vezes não por carência de amor e responsabilidade por parte dos pais e mães, mas por falta de condições, de políticas públicas que apoiem as famílias empobrecidas e, sobretudo pela negação dos direitos fundamentais. É graças a estes/as voluntários/as que muitas crianças e adolescentes estão conseguindo cicatrizar suas feridas e dar a volta por cima. Os meios de comunicação e a população em geral dão mais importância aos agressores do que aos/às cuidadores/as. Faz mais barulho a prisão de um abusador que a dedicação gratuita e amorosa de homens e mulheres generosos/as que, além de cuidar de seus filhos/as, cuidam também dos/as filhos/as dos outros com o objetivo de reaproximá-los/as a suas famílias de origem ou de acolhê-los em famílias substitutas.
Ontem, na enésima visita a uma unidade socioeducativa, fiquei comovido profundamente com as lágrimas copiosas que molhavam o rosto de adolescentes que partilhavam a dor de não ter tido a chance de contar com a presença amorosa do pai em suas vidas. Por quanto parece algo superado, na realidade eles reclamam da ausência do pai. Sentem falta, pois a paternidade, junto com maternidade, é uma função indispensável para que os/as filhos/as amadureçam e ingressem na vida sem traumas, até que se façam eles mesmos pais e mães de si mesmos com a chegada à maturidade. O crescimento da violência sofrida e praticada pelas novas gerações tem também a ver com a eclipse da figura paterna. “Por função parental, o pai é o principal criador do limite para os filhos e filhas. Seu eclipse provocou um crescimento de violência entre os jovens nas escolas e na sociedade, que é exatamente a não consideração aos limites” (Leonardo Boff).
Como preencher este vazio? Oxalá conseguíssemos, onde for possível, restabelecer o vínculo, e, se não for possível, garantir aos/às jovens a oportunidade de conviver com educadores e educadoras que consigam proporcionar o cuidado necessário para seu desenvolvimento integral. Nesse sentido, é necessário dar o máximo valor ao contato com as famílias. Usar o tempo da visita familiar para reclamar com os pais e as mães do comportamento dos/as filhos/as ou reduzir o tempo da visita na modalidade de visita assistida como forma de punição, além de comprometer as relações familiares, constituem uma arbitrária extensão da punição aos familiares que vem de longe e fazem maior sacrifício para visitá-los. A visita familiar é um momento sagrado. É uma liturgia cuidadosamente preparada pelos/a adolescente. Nela se celebra uma das coisas mais sagradas da vida humana: a família, cuja presença é ainda mais decisiva quando é mais forte a saudade pela distância. Valorizemos este momentos associando-os a experiências positivas para que se tornem inesquecíveis.
Parabéns a todos os pais, às mães que fazem papel de pai também e a quantos/as vivem a paternidade ampliada abraçando os/as filhos/as sem pai biológico. Espero que dia este deixe de ser comercial e se torne uma oportunidade para celebrar o cuidado e exigir políticas públicas em defesa da família. Deus diga bem de tod@s vocês.
(pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)