O Novo Profetismo
Daniel Comboni sempre repetia: “Eu morrerei, mas minha obra não morrerá”, porque é Obra de Deus. Os seus Institutos floresceram e modelaram outros homens e mulheres que, até hoje, continuam a lutar, para que os pobres sejam evangelizados, e os oprimidos, libertados.
No futuro, poderá haver também um calo de vocações, ou o fim das atuais estruturas clericais, mas a Obra de Deus pode sempre florescer de outras formas. Aos seus missionários, às irmãs da Nigrícia e aos leigos que se inspiram em seu carisma, Comboni sugere-lhes abrir seus olhos e, principalmente, sua inteligência para que compreendam bem que a missão evangelizadora da Igreja, hoje, está passando por momentos difíceis. E, não adianta, como fazem muitos, em teimar continuando um tipo de evangelização superada. Hoje, “é urgente criar comunidades mistas: religiosos, religiosas, leigos e leigas, que aceitem trabalhar na itinerância (ou provisoriedade), na intercongregacionalidade e na interprovincialidade. Unir, somar forças, e não fragmentar.”
No tempo de sua juventude, Comboni também passou por esse problema. Ele sofreu muito por causa disso, e arriscou ser expulso do Instituto. No tempo em que ele era missionário do padre Mazza, foi necessário se libertar da visão da Missão tal como a tinha concebido o seu superior. No estudo e na oração, Comboni esteve atento aos sinais dos tempos, à hora propícia pela qual estava passando a Igreja e a humanidade, e sentiu a necessidade de mudar paradigmas de referência, para que a ação evangelizadora tivesse mais eficácia, tanto na África como na Europa. O desejo de mudança de rumo provocou rupturas: “toda mudança provoca rupturas”. Também hoje, é necessário “romper com o protagonismo clerical” e ajudar e incentivar as forças de cada país, para que de objeto passem a ser sujeito de sua história de libertação.
Por “Nigrícia”, hoje, não se deve entender só os africanos: para Comboni, hoje, “Nigrícia” são as periferias não apenas geográficas, mas as periferias humanas, são as etnias e os grupos humanos considerados “descartáveis”: negros, brancos, amarelos, índios, crianças, idosos, enfermos, mulheres marginalizadas, em cujos rostos sofridos transparece o rosto sofrido de Cristo crucificado. É esse Cristo excluído que precisa de ajuda. É o novo profetismo! Ou melhor, é o profetismo de Jesus. Fazer missão não significa fazer o bem a todo ser sofrido, genericamente. O erro de muitos missionários e de missionárias, no trabalho de evangelização, tem sido o de “dar acolhimento a tudo, com a convicção de que tudo podia concorrer para o bem da Missão. Na verdade, pouco tem sido feito para pôr claramente em destaque o que era específico da missão e o que era apenas resposta de ‘bom samaritano’”. A solução seria deixar-se iluminar pelo Espírito do Pai. É necessário que os missionários criem coragem para fazer novas escolhas, para sair do genérico. Concretamente, devem estar presentes lá, onde há urgência do testemunho cristão, no meio de grupos humanos e etnias oprimidas e escravizadas, “fazendo causa comum com eles”. Para “fazer causa comum” com os últimos, é necessário ter coragem. O encontro pessoal com Cristo e a contemplação do Coração trespassado do Bom Pastor, que se colocou ao lado dos últimos do mundo, é o momento decisivo da vocação do missionário que também se coloca a serviço dos irmãos necessitados de Deus e de vida, em todos os continentes. É necessário criar o “novo na dinâmica da missão”. Criar o novo significa regressar à paixão pela missão, ao seu primeiro amor, pelo qual Comboni viveu e morreu.
O novo é olhar para o futuro com otimismo e esperança, com as pobrezas e riquezas espirituais de cada missionário e missionária. O “novo é regressar à fonte”: a contemplação de Jesus Crucificado, “amando-o e procurando entender cada vez melhor o que significa um Deus morto na cruz pela salvação dos seres humanos”. Esse é o testamento que deixou Comboni aos seus missionários e às suas missionárias: “a única verdadeira ciência é a de Cristo Crucificado”. Assim, o sofrer e padecer o martírio por Jesus e pela missão tornam-se vitória, ressurreição e felicidade eterna.
Um recado final para os Institutos masculinos e femininos de Comboni: levar a Boa Nova e ajudar as etnias mais pobres e abandonadas da terra, estejam onde elas estiverem, “defender e preservar a natureza”, “dar a própria vida, como Cristo a deu.” “É o novo profetismo!”
Enzo Santangelo, do livro: Daniel, servo dos Escravos – 2023