O Paradigma do Cordeiro
O PARADIGMA DO CORDEIRO
1. A violência no Brasil não é uma novidade. Faz parte da história dos últimos quinhentos anos. O processo de formação do povo brasileiro está todo marcado pelo “paradigma do guerreiro e do conquistador” (Bernardo Toros). Com a imposição do modelo neoliberal, a violência piorou e tornou-se o padrão de vida da civilização moderna. O sistema imposto nos nossos dias se estrutura ao redor da ambição pelo poder que se traduz por vontade de dominação da natureza, dos outros, dos povos e dos mercados. Viver não é um esforço comum para vencer juntos, para superar os desafios em busca da própria realização e do bem comum, mas uma guerra fratricida para obter êxito, ter poder, acumular bens e vencer custe o que custar. Para conseguir tudo isso precisa contar com as melhores “armas” para combater, competir e, se for necessário, acabar com a concorrência. Nunca ganha todo mundo. Tem sempre um vencedor e um derrotado. Triunfa sempre o mais forte. “Vale tudo por dinheiro”, é o principal dogma da religião que venera o deus capital. Só presta quem tem poder aquisitivo. Quem não tem é descartado. No mundo do trabalho “salve-se quem puder”. Prevalecem a exploração, a precarização, o regime de escravidão, o subemprego e a competitividade exasperada. Nas relações sociais, impõem-se o egoísmo, individualismo e a indiferença. A eliminação do outro é a chance para ter mais espaço na vida. Há em ato uma louca corrida armamentista. Na política prioriza-se o interesse pessoal ou de grupos que usam a máquina pública para impor e realizar seu projeto de poder. No âmbito cultural, promove-se um processo contínuo de devastação, imposição, padronização e homogeneização cultural. O diferente passa a ser encarado como perigoso ou sem sentido e tudo aquilo que foge ao que está estabelecido precisa ser extirpado ou colocado de acordo com os “padrões de normalidade” impostos pelo sistema globalizado. Há um descuido e uma falta de atenção na salvaguarda da nossa casa comum, o planeta Terra. Somos constantemente bombardeados por mensagens de opulência, triunfos sexuais, riqueza e poder. O exercício da sexualidade é ainda contaminado pela vontade de dominação. Até nas igrejas e nas religiões há ímpetos de fanatismo, concorrência e rivalidade. Volta o fantasma do poder religioso que usa e abusa dos fiéis.
2. A análise parece pessimista, mas é real. Os fatos dos últimos anos apontam até uma regressão para o “paradigma da irracionalidade”, seja lógica que afetiva. Arriscamos de cair na bestialidade. Tem saída a tudo isso? João Batista aponta um caminho alternativo: o “paradigma do cordeiro” (Jo 1,29-34). A proposta não é dele, mas de Jesus de Nazaré. João não a conhecia. Aguardava a chegada de alguém forte, o Leão de Judá, pois também ele achava que a mudança só podia acontecer pelo uso da força. Mas é surpreendido por Jesus que se apresenta como o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. A imagem traz à memória a proteção do Povo de Israel no Egito, quando, graças ao sangue do cordeiro, foi preservado da morte. Lembra também o servo sofredor que se deixa conduzir qual cordeiro para ser sacrificado pelos outros. O cordeiro não é, portanto, sinônimo de pusilanimidade e de submissão passiva, mas de doação, cuidado, proteção, ternura e amorosidade. É uma figura aparentemente débil, mas que possui sua própria força que não é aquela predadora e devoradora das feras selvagens, mas é o alento do cuidado que nasce do amor e gera vida.
Jesus, ao apresentar-se como Cordeiro, propõe o “paradigma do amor e do cuidado” em alternativa ao “paradigma do guerreiro ou do predador”. Injeta nas veias da história doses de ternura e solidariedade para barrar a hemorragia de humanidade. É para Ele que precisamos olhar para resgatar a nossa verdadeira natureza. Jesus é o modelo que precisamos seguir para nos reencontrarmos com nossa identidade. Só Ele pode erradicar pela raiz o mal do mundo que é a causa dos pecados da humanidade, o ventre que gera o ser (des)humano e a fonte de todos os comportamentos que contradizem sua natureza de filho/a de Deus. Trata-se da autossuficiência, a negação de sua condição de filho/a e irmão/ã, a lógica diabólica da competição exacerbada, da pulsão instintiva que leva as pessoas a se digladiarem entre elas e a comportar-se como bichos em relação aos seus semelhantes e como predadores em relação ao ambiente. É a sede de poder, a absolutização do prazer e a insaciável ganância que gera a escravização dos outros e a devastação da natureza. Não é assim que se vive. O Cordeiro vem para fazer a diferença. É Deus que se faz “homem” para mostrar-nos o “homem novo” escolhendo o caminho da pobreza, da humildade, da doação e da não violência. A comparação com Ele nos dá a oportunidade de tomar consciência da nossa condição atual e de enxergar a meta do nosso itinerário de humanização. Olhemos para Ele para imitá-lo. É assim que nos quer e nos envia: “Eis que vos envio como cordeiros ao meio de lobos” (Mt 10,16). Seguindo seu exemplo, “precisamos deixar de ser uma sociedade orientada pelo êxito, pelo vencer, pelo ganhar. Nosso novo paradigma precisa ser o cuidado… Não mais uma inteligência guerreira, mas sim uma inteligência altruísta.” (Bernardo Toro). Só o Amor do Cordeiro e das suas ovelhas pode salvar o mundo.
(pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)