O ritual que mais agrada a Deus é o exercício da Caridade!
O Evangelho de Lucas, a partir de hoje, vai endurecer o tom contra os fariseus, escribas e doutores da lei. É a luta contra a religião, quando se esvazia da fé e se torna uma máscara destinada a encobrir a perversão e a hipocrisia. O primeiro ato desse conflito acontece na casa de um fariseu (Lc 11,37-41). Convidado a jantar em sua companhia, Jesus se senta à mesa sem lavar as mãos antes da refeição. Não estava descumprindo simplesmente uma norma de higiene, mas um ritual de purificação. O fariseu fica desapontado e dá broca em Jesus. Em nome do rigorismo moral falta de respeito com seu hóspede. Sua atitude deselegante revela a arrogância farisaica de achar que seu jeito de viver seja a única maneira de expressar a fé de maneira autêntica. Mas Jesus não se deixa intimidar. Com dureza inesperada desfere uma sentença que atinge o fariseu com a mesma intensidade de um soco no estômago: “Vós fariseus limpais o copo e o prato por fora, mas o vosso coração está cheio de roubos e maldades”. Em continuidade com a tradição profética, o Mestre desmascara a maldade que foi perpetrada pelos religiosos: eles substituíram o Deus criador, libertador e salvador por um Deus que é um exigente legislador. O Deus que liberta o povo oprimido no Egito foi suprido por um deus mil vezes mais duro que o Faraó em suas exigências (Êx 32:25-29). À escravidão do Egito, escribas e sacerdotes substituíram a escravidão da lei. Jesus não é contra as leis da purificação externa, mas denuncia o uso delas como maneira de encobrir a podridão interna. É inútil cumprir rigorosamente as minúcias da lei que pouco fazem a diferença na vida das pessoas, se o coração não se converte. A nada adianta apresentar-se em público de cara limpa e posar de bom moço, mas não tem um pingo de ética e de caráter. O que faz a pureza de um ser humano não são o formalismo, o legalismo e o ritualismo, mas suas opções fundamentais que envolvem toda sua pessoa na linha do amor, da compaixão, do serviço, do cuidado e da solidariedade. No lugar de perder tempo no cumprimento das minúcias da lei e dos rituais, “dai esmola do que vós possuis e tudo ficará mais puro”, diz Jesus. Não se trata de dar o supérfluo ou de fazer caridade somente com os recursos dos outros, mas de doar tudo o que temos e somos. É a doação de si o critério que aponta o grau de pureza do coração da pessoa e de autenticidade de sua fé cristã. Dessa forma a fé não se reduz a uma estéril observância de preceitos, mas é a conversão à doação de si mesmo a partir da adesão existencial e não formal ao projeto de vida de Jesus de Nazaré. Hoje em dia estão voltando de moda tradições e devoções que tem pouco ou nada a ver com a grandeza da fé cristã que coloca sempre ao centro a pessoa e não a norma, que gera comunhão e não divisão, que preza pela inclusão e não pela exclusão, pela misericórdia no lugar da condenação. Quem acolhe o Evangelho recebe em dom a liberdade dos filhos e filhas de Deus: “É para a liberdade que Cristo nos libertou!” (Gal 5,1). A liberdade que Jesus nos doa é para o exercício do amor e da misericórdia no estilo do samaritano. A novidade do mistério da encarnação não consiste em vestir-se, revestir-se, transvestir-se ou mascarar-se, mas em espoliar-se de si mesmo/a, da autoreferencialidade, do egoísmo, da mania de grandeza e das insígnias do poder para pôr-se humildemente a serviço de Deus e dos/as outros/as, assim como somos, sem fingimento. Com Jesus podemos abrir o jogo, pois Ele gosta de agir na fragilidade e pela fragilidade. Grandes coisas Ele consegue fazer quando lhe deixamos espaço.
Fiquemos firmes e não nos deixemos amarrar de novo ao jugo da escravidão de preceitos, regras, rituais, trazidos do passado sem nenhum discernimento e sem fazer o esforço hermenêutico de contextualizá-los para verificar se têm sentido hoje em dia e, sobretudo, se trazem benefício para o seguimento de Jesus. “O que vale em Cristo Jesus – diz o apóstolo Paulo – é a fé agindo pela caridade” (Gal 5,6). Pois é onde tem Amor que Deus aí está. O resto é relativo ou não tem nenhum valor. Somente onde há uma vida que se doa é que há a oportunidade de fazer uma verdadeira experiência da presença do Deus que comunica a vida. Nenhum ritual, sobretudo aquele que acontece na mais absoluta formalidade e teatralidade, pode substituir isso.
(pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)