O segredo da vida religiosa é abraçar o Amor pra valer!
O trecho do Evangelho de Lucas que narra a apresentação de Jesus ao templo (2,22-40) é uma galeria de arte sacra. É uma sucessão de ícones produzidas por mão humana inspirada pelo Espírito Santo. Cada uma é mais bonita do que a outra. Todas retratam divinamente cada detalhe daquele acontecimento.
Quem as contempla sente-se envolvido por intensa luz e profunda paz. Entre todas, destaca-se a cena do encontro com o velho Simeão. É um retrato cheio de ternura que chega a comover os corações mais endurecidos.
A Lei se transforma em Amor
O velho Simeão toma o menino nos braços e bendiz a Deus. Não é por acaso que ele faz isso nem por simples intuição humana. É o Espírito que o leva a cumprir esse gesto ousado. Lucas faz questão de dizer por bem três vezes que Simeão é iluminado e movido pelo Espírito. Aquele abraço é decisivo.
Simeão reconhece Deus naquele Menino e o abraça com ternura porque se deixa conduzir pelo Espírito. Graças a essa inspiração até que enfim ele pode viver a experiência mais importante de sua vida: a passagem da Lei ao Amor. Aquele Menino lhe traz a carta de alforria. Após ter passado a vida obedecendo às regras impostas pela Tradição até que enfim chega o que mais esperava: o dia da liberdade.
O simples cumprimento da Lei nunca foi suficiente para que se sentisse realizado. Sabia que lhe faltava ainda o essencial. Passou a vida toda procurando e até que enfim o encontrou naquele abraço. Não se trata de jogar fora a lei, mas de colocá-la no seu devido lugar. Ela serve se educa ao amor. Não se vive em paz se tudo é feito por obrigação. A paz chega quando tudo é feito por amor.
O legalismo inferniza a vida e a conduz para um envelhecimento cheio de amargura e frustração. O amor faz viver a vida intensamente até o último instante. Inclusive tem o poder de torná-la eterna. “Amar alguém é dizer-lhe: Tu não morrerás jamais!” (Gabriel Marcel).
Naquele abraço Simeão sente que Deus não é um jugo insuportável, mas é liberdade. Não é o poderoso restaurador de Israel, mas é um Deus frágil, que se deixa pegar no colo por qualquer pessoa e se doa a todo mundo. Não é um olhar austero, mas um abraço carregado de ternura. Não é cobrança, é Amor. Não é o patrão cercado de escravos, mas o Pai em busca de filhos e filhas que correspondem ao Seu amor e o compartilham entre eles e elas como irmãos e irmãs. Não é condenação, mas salvação. Aqui está o segredo da eterna juventude que se estende para além dos limites da idade biológica. A partir desse abraço Simeão passa a viver “solto”. Está livre das amarras da coação e passa a viver na liberdade do amor.
Vida Consagrada
À luz desse Amor, a “vida consagrada” deixa de uma ser uma frustrante espera de uma realização que nunca acontece, uma busca obsessiva de poder, uma extenuante corrida carreirista, uma fria e burocrática execução de regras e uma servil submissão a normas cumpridas simplesmente por obrigação. Torna-se vida plena até quando o tempo se encarrega de marcá-la com fragilidades e limitações.
Parece algo distante da nossa experiência, mas não é assim. A história nos brinda de muitos exemplos até em nossos dias. Entre todos, quero lembrar dom Helder Câmara que, apesar de seus muitos anos, irradiou uma vitalidade juvenil que contagia até hoje, muito tempo depois de sua morte. Também ele tinha encontrado o Deus feito Menino e o tinha acolhido em seus braços. Aquele abraço fez com que ele se tornasse “menor”, frágil e pobre como o Deus que havia encontrado. Sua vida tornou-se significativa pelos abraços de ternura que semeou pelo mundo afora.
A luz que ilumina os olhos de Simeão, Ana, Helder Câmara e muitos outros homens e mulheres é este Menino que se apresenta ao mundo como Amor encarnado de Deus que desce, sai ao encontro de cada pessoa, se doa e se deixa abraçar para que cada coração humano se torne capaz de amar do Seu mesmo jeito. É a consagração a este Amor frágil, humilde e cheio de ternura que torna a nossa vida eternamente nova, traz paz à humanidade e nos torna livres de verdade.
Antes de qualquer outra atividade, o ministério principal do religioso e religiosa que “pegaram o Menino em seus braços” seja o abraço de ternura às pessoas que lhes são confiadas, a começar daquelas que convivem na mesma comunidade, para que, antes de qualquer conversa, os olhos de todos possam enxergar e experimentar, através do testemunho do Amor, a ternura de Deus.
Deus abençoe todas as mulheres e os homens que, consagradas/os por Deus são sinais concretos do Seu amor para com todas as pessoas que encontram em seus caminhos.
Pe. Xavier Paolillo, Missionário Comboniano
Fotos: Pixabay, Wikipedia
