Onde está Deus, há Felicidade!
Muito tem sido dito e escrito a respeito das Bem-aventuranças. Cada qual tem usado e abusado delas para sustentar suas teses. Uns o utilizam para pregar o conformismo e a resignação. Outros o manipulam para sustentar e difundir a teologia do sofrimento. A tese beira o masoquismo. Ensinam que o cristão deve sofrer para entrar em comunhão com a paixão de Cristo. Outros incentivaram o uso de cilícios e outros instrumentos de flagelação, apontando o sofrimento como a melhor maneira para expiar os próprios pecados. Não faltam aqueles que instrumentalizaram o texto para incentivar a luta de classe e revoluções. Afinal das contas Jesus, na versão de Lucas, “amaldiçoa” os ricos responsáveis pelas lágrimas dos mais pobres. Enfim, tem quem acha que Jesus estaria zombando dos pobres falando-lhes de uma felicidade que nunca teriam chance de alcançar nesta vida.
Como ler esse texto, então? Tem um detalhe no prólogo que não pode passar despercebido. Jesus sobe ao monte com seus discípulos. Antes de proclamar estas palavras, o Mestre entra em contato com o Pai. Lucas diz que Ele fica a noite inteira no monte em oração. O monte não é um lugar físico, mas teológico. É o momento do diálogo entre o Filho e o Pai. É a ocasião para descobrir o ponto de vista de Deus e aprender a enxergar o mundo com seu olhar. Portanto, está aqui o segredo da compreensão deste texto. Precisa subir ao monte e lê-lo à luz do pensamento de Deus. Não é um exercício fácil. Mas é possível através da leitura orante. Nas bem-aventuranças tem o ponto de vista de Deus. Só entrando em comunhão com Ele é que podemos compreendê-las.
Para além de qualquer outro entendimento, fica claro o recado: Deus, desde sempre, quer a felicidade do ser humano. Não nos criou para sofrer, mas para viver, não de qualquer jeito, mas em plenitude. Mas a felicidade está em risco. Tem muita gente que sofre. Parte deste sofrimento é consequência da fragilidade humana, mas outra parte é o resultado da maldade humana. Deriva de um déficit de Evangelho. É o sofrimento ocasionado pela negação do acesso aos bens da terra cujo destino universal foi desviado para os cofres dos ricos e poderosos. Falta até pão na mesa de milhões de pessoas, não porque a terra não o produza suficientemente, mas porque é negado pela voracidade de uns e jogado no lixo no lugar de ser compartilhado. Até as crianças, que pela idade deveriam rir à vontade e se divertirem com suas brincadeiras, derramam lágrimas em abundância. O sofrimento aparece também pela violência e sob forma de ultraje, preconceito, mentira, calúnia, perseguição, tortura e ameaça de morte, que, frequentemente, atingem as pessoas que acolhem o Evangelho e fazem dele a razão da própria vida. Se há sofrimento a culpa não é de Deus, mas de quem tomou distância dele e organizou o mundo não a partir de Seu ponto de vista, mas conforme os próprios “depravados” interesses.
A surpresa é que Deus chora também por estes. Engana-se quem acha que os “ais’ que Jesus pronuncia conforme o relato de Lucas são maldições contra os ricos, os poderosos, os fartos e os perseguidores. O ato de amaldiçoar não combina com Deus. Ele é Sumo Bem. Não conhece a vingança, a ira, a raiva assim como nós as vivenciamos no dia a dia. Os “ais” são advertências. Jesus alerta quem se afasta do Evangelho, pois se dana por si mesmo. Quando não há Evangelho, sofrem as vítimas e se danam os carrascos. Mas Deus não se rende. Ainda insiste em propor o Evangelho da felicidade. A palavra bem-aventurança é um objetivo, uma meta que está ao alcance de tod@s. Toda a humanidade tem que voltar ao caminho rumo à felicidade. Isso exige uma grande reviravolta. Mas é possível. Basta viver como Jesus de Nazaré. O/a verdadeiro/a “crente não aquele/a que diz “glória’ de boca para fora, mas é aquele/a que se deixa desafiar pelo Evangelho e assume a vida de Jesus como seu projeto de vida. Foi isso que aconteceu com seus discípulos. Largaram tudo para estar com Jesus e aprender a ser como Ele, encantados pela beleza de sua vida. São Bernardo diz que os apóstolos nos ensinaram a VIVER BEM. Transmitiram-nos a vida boa, bela e bem-aventurada de Jesus De Nazaré. É essa a vida que também nós somos chamados/as a transmitir as pessoas com quem convivemos. A exemplo de Jesus, assumamos um estilo de vida sóbrio, simples, solidária, alicerçado na ética do cuidado, cheio de empatia e compaixão, sobretudo para com quem sofre. Os fartos compartilhem o pão com os famintos. Os ricos desistam da acumulação gananciosa dos bens para garantir que toda pessoa tenha acesso ao necessário para viver com dignidade. Os violentos se desarmem física e espiritualmente para ajudar na construção da cultura da paz. A felicidade só é possível se se vive pela felicidade alheia. Se isso não acontecer, a felicidade não chegará para todo mundo, mas só será garantida aos pobres, aos aflitos, aos famintos, os profetas da justiça, os construtores de paz e aos perseguidos, não por mérito deles, mas por benevolência do Pai que desde sempre tem um olhar privilegiado para com quem sofre inocentemente. Quem optar por viver longe de Deus e fizer chacota de seu ponto de vista em nome da riqueza, do poder, do sucesso e do prazer sem limites estará destruindo sua própria vida com suas próprias mãos. Deus continuará oferecendo como sempre oportunidade da salvação.
(pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)