Os Pobres nos Evangelizam (Mt 8,1-4)
O que Deus quer quando dizemos “seja feita a Tua vontade”?. A pergunta é existencial, pois dela depende a nossa sobrevivência. Se não houver clareza a respeito da vontade de Deus e, sobretudo, se houver uma interpretação manipulada e desviante dela, arriscamos de assinar uma sentença de morte em nome dele. Não é exagero, A intepretação equivocada ou propositalmente fraudada da vontade de Deus foi, é e será sempre responsável pelas piores aberrações contra a vida. O único que pode responder a esse questionamento é o próprio Jesus que nos ensinou a rezar dessa forma. Uma das respostas vem a partir da provocação do leproso: “Se tu queres, tens o poder de me purificar”. Desde quando contraiu a doença o leproso aprendeu dos ministros da religião oficial que a vontade de Deus era sua segregação por ser impuro. Teve que conformar-se com a ideia de que a doença que o acometia era o justo castigo divino pelas suas culpas ou pelos pecados de seus antepassados. Considerado uma imundície, devia manter-se distante de todo mundo, inclusive do próprio Deus. Mas ele ousa desafiar essa crença. Quebra as regras, se aproxima de Jesus e se ajoelha diante dele. O “pecador excomungado” demonstra saber o que é necessário fazer para conhecer a vontade de Deus, “Dobra-se” a Jesus, não à “ideologia religiosa do templo”. Recorre a única pessoa que pode desvendar este mistério, a diferença dos doutores da Lei e dos religiosos que presumem saber tudo a respeito de Deus, até mais do que o próprio Jesus. “Senhor, se tu queres…” é a súplica de quem não se conforma com a visão perversa, discriminatória e excludente da religião tradicional. É a senha que dá acesso aos segredos do coração de Deus; é a imploração de quem está sedento de saber o que Ele pensa e quer de verdade. Jesus responde de imediato com uma reação física. Ao contrário do nojo dos sacerdotes e dos fiéis tradicionais, sente compaixão, conta o evangelista Marcos num texto paralelo (Mc 1,41). Já disse em outras oportunidades que não se trata de um simples sentimento, mas de um arranhão no profundo da alma, uma ferida que se abre nas entranhas. Dá dor nele ouvir e constatar o tamanho das crueldades atribuídas ao Pai, transformado num terrível carrasco. Depois estende a mão e o toca indo de contra à toda lei discriminatória e todas as medidas prudenciais. Reverte tudo o que a religião oficial ensinava. O leproso pode chegar a Deus antes de ficar curado. Os gestos chegam antes das palavras. A cura começa pela aproximação, pela acolhida em vez da exclusão, pelas carícias no lugar das reprimendas. Depois vem a Palavra, “a pedra angular sobre a qual se fixa a nova imagem de Deus” (Ermes Ronchi): “Eu quero: fica limpo”. Eis o que Deus quer. Deus se importa com ele e com todas as pessoas que sofrem. Padece com elas. Envolve-se na sua dor, sobretudo aquela causada pelo desprezo e a exclusão. Deus é bem absoluto. Deseja o melhor de todos seus filhos e filhas, independentemente de situação em que se encontram. Aos seus olhos ninguém é desprezado. Todas as pessoas podem chegar a Ele com suas bagagens de passados turbulentos, histórias tumultuadas, orientações diferentes, escolhas que não se enquadram aos padrões comuns, fichas penais sujas, sofrimentos físicos, psicológicos, morais… e encontrarão a mão estendida do Filho, o abraço do Pai e da Mãe, o Amor do Espírito Santo capaz de fazer novas todas as coisas. Não precisa estar em dia com suas “obrigações” para apresentar-se a Ele. Deus não tem nojo de estender a mão e tocar as nossas misérias. Deseja ardentemente a nossa felicidade. Ele quer que todas e todos tenham vida em abundância. Essa é a indiscutível vontade de Deus. Desprezar, discriminar, fazer sofrer, excluir, matar ou morrer violentamente não é vontade de Deus. Acolher, cuidar, garantir, promover e defender a vida com dignidade é o que mais Lhe agrada. Quem vai fazer isso? Esta é outra pergunta que não se cala. A resposta, ainda uma vez, vem de Jesus. Deus se serve de nós para que esta sua vontade aconteça.
Mas a história não acaba aqui. O melhor ainda está para acontecer. De excomungado, o leproso não só e acolhido na comunidade, mas é escolhido por Jesus para se tornar evangelizador da própria comunidade. Compete a ele a responsabilidade de apresentar-se aos sacerdotes para mostrar-lhe o que lhe aconteceu e, sobretudo, para propagar a verdadeira identidade de Jesus e a sua autêntica vontade. Visto que o mundo o recusa, os poderosos o desprezam e os “religiosos” se escandalizam dele, Jesus escolhe os mais pobres para se tornar conhecido. Os pobres nos evangelizam – afirma Papa Francisco – porque permitem descobrir de modo sempre novo os traços mais genuínos do rosto do Pai. Eles “têm muito para nos ensinar. Além de participar do sensus fidei, isto, além de ter a capacidade de participar de um discernimento justo em matéria de fé, nas suas próprias dores conhecem Cristo sofredor”. “É necessário que todos nos deixemos evangelizar por eles. A nova evangelização é um convite a reconhecer a força salvífica das suas vidas, e a colocá-los no centro do caminho da Igreja. Somos chamados a descobrir Cristo neles: não só a emprestar-lhes a nossa voz nas suas causas, mas também a ser seus amigos, a escutá-los, a compreendê-los e a acolher a misteriosa sabedoria que Deus nos quer comunicar através deles”.
(pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)