Pandemia e democracia. – Não deixemos sufocar a esperança!
A Nota da Articulação Comboniana de Direitos Humanos sobre as graves crises no Brasil identifica com evidência a gravidade da situação da saúde pública e, pior, a enorme crise política e democrática. Gritamos juntos: “NÃO É MAIS TOLERÁVEL!” Saiba porquê…
A pandemia exige união e trabalho coordenado. O inverso do que estamos vivendo.
A Articulação Comboniana de Direitos Humanos (ACDH) é composta por organizações, pessoas e comunidades religiosas de diversas partes do Brasil, atuantes nas regiões periféricas, onde frequentemente a vida é menos respeitada e mais enfraquecida.
Nestes tempos tão difíceis para nosso País, assistimos impotentes ao sacrifício dos mais pobres. Frente à pandemia do coronavírus, nem todos têm direito a proteger-se pelo isolamento domiciliar. Em habitações pequenas e insalubres ou debaixo de lona, nas calçadas, nas periferias e nos acampamentos, famílias numerosas se amontoam em moradias sem as mínimas condições de autoproteção.
A quarentena é medida essencial, o ‘lockdown’ pode até vir a ser necessário, mas são medidas que garantem segurança para as faixas sociais com condições para ficarem em suas casas, tendo a garantia de acesso às UTIs do sistema privado (com número de leitos cinco vezes superior àqueles do SUS).
Nas prisões, a injustiça é ainda maior: aglomerações de pessoas, suspensão de visitas de familiares, pouca higienização e atendimento de saúde precário.
Se a pandemia chegar com força às aldeias, pode acontecer um genocídio; a Mobilização Nacional Indígena denunciou a intencionalidade do governo ao impedir o funcionamento do sistema de saúde indígena.
Em plena quarentena, multidões de pobres têm sido obrigadas a sair de suas casas e enfrentar longas filas e aglomerações para conseguir receber um auxílio emergencial que chegou com atraso. Acrescentou-se, assim, um sofrimento a mais: a humilhação.
Democracia em vertigem
Estão entrelaçadas no País a crise social, ambiental e sanitária. Nesse contexto, fazem-se urgentes ações políticas coordenadas e coesas e investimento na defesa e promoção da vida das pessoas. Não se trata só de gestão de emergência. É preciso uma visão de longo prazo, para proteção e reorganização da sociedade. Mas tudo isso esbarra numa quarta crise: da democracia, hoje ainda mais “em vertigem”.
Não cabem nesta nota referências aos inúmeros ataques recentes desferidos à democracia, cada vez mais graves, e o desrespeito às instituições e ataques à imprensa. A arrogância e a cultura escravagista que continuam moldando as relações de poder liberaram na sociedade os instintos mais perversos, que se agregam em grupos milicianos e fanáticos, muitos deles “religiosos”, tolerados e instigados por muitas autoridades.
Em lugar desta pandemia unificar a sociedade num esforço coletivo e solidário de proteção recíproca, cresce a divergência de visões sobre o momento que estamos atravessando e as decisões que precisam ser tomadas para salvar vidas. A cada dia que passa a crise consolida-se estruturalmente. Não podemos ficar em silêncio.
“Não é mais tolerável!”
A Articulação Comboniana de Direitos Humanos valoriza a iniciativa de convergência de seis instituições importantes na história de nosso País, que se uniram em torno de um “Pacto pela Vida e pelo Brasil”, clamando pela união de toda a sociedade brasileira, seus cidadãos, governos e poderes da República, para formar uma ampla aliança e enfrentar o momento dificílimo que vive o Brasil.
A ACDH apoia vigorosamente a CNBB, que em nota pública declarou: “Não é tolerável que qualquer autoridade viole os preceitos constitucionais e despreze a vida. Espera-se das instituições republicanas, garantidoras do Estado de direito, a devida responsabilização dos que atentam contra a ordem democrática”.
Em sintonia com a Comissão Brasileira Justiça e Paz, o Conselho Nacional das Igrejas Cristãs e o Conselho Nacional dos Leigos, considera que o afastamento ou impeachment do Presidente da República seja neste momento um passo inevitável e necessário, para pôr um limite à deriva antidemocrática, remarcar a fidelidade à Constituição Federal acima das ameaças, enfraquecer as forças sociais que estariam escolhendo a violência como meio para impor seus interesses.
Mesmo no contexto de um País adoecido, a ACDH reconhece a dignidade de cada pessoa e seus direitos e exorta à participação cidadã, à não-violência, à solidariedade, ao respeito e ao cuidado da vida como forças de transformação social.
Não deixemos sufocar a esperança!
05 de maio de 2020
A Articulação Comboniana de Direitos Humanos (ACDH) é composta por:
– Associação de Apoio aos Assentamentos Rurais e Comunidades Quilombolas – AACADE (Paraíba)
– Casa Comboniana de Justiça e Paz (Nova Contagem – MG)
– Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos “Carmen Bascarán” (Açailândia – MA)
– Centro de Defesa da Vida Herbert de Souza (Fortaleza – CE)
– Centro de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente “Mônica Paião Trevisan” (São Paulo – SP)
– Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Serra (Espírito Santo)
– Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Sapopemba “Pablo Gonzales Olalla” (São Paulo – SP)
– Centro de Defesa dos Direitos Humanos Dom Oscar Romero (Santa Rita – PB)
– Centro de Defesa dos Direitos Humanos “Padre Franco Pellegrini” (Salvador – BA)
– Centro de Migrações e Direitos Humanos (Boa Vista – RR)
– Movimento de Saúde Mental Comunitária Bom Jardim (Fortaleza – CE)
– Rede Justiça nos Trilhos (Maranhão)
– Santuário Santa Cruz da Reconciliação (São Paulo – SP)
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