Para Alegria de Deus e Bem da Humanidade: SUBVERTER o Mundo
PARA A ALEGRIA DE DEUS E O BEM DA HUMANIDADE, SUBVERTEMOS O MUNDO!
1. Um Censo como outros…
Num mundo burocraticamente organizado, um imprevisto tumultua tudo. Num contexto de pessoas poderosas que agem como se fossem Deus e decidem o destino do mundo, uma criança frágil entra sorrateiramente na história e vira tudo de cabeça para baixo. Enquanto a partir do centro do império, parte a ordem de realizar um censo para contar os súditos, na periferia um grupo de pessoas que contam pouco ou nada começam a “revolução”. Comparar estes dois mundos é o objetivo de Lucas quando, no início do relato do nascimento de Jesus, fala do recenseamento ordenado pelo imperador romano (Lc 2, 1-14). A sua preocupação não é apenas fornecer dados concretos para mostrar que o Natal é um fato histórico, mas é, acima de tudo, de carácter teológico. O evangelista traz um evento do velho mundo organizado conforme os interesses dos poderosos para contrapor-lhe a novidade de Deus. Era comum nos tempos antigos realizar censos da população. O Padre Armellini, um competente estudioso da Sagrada Escritura, assinala que no Antigo Testamento Deus ordena várias vezes um recenseamento do seu povo, mas a Sua intenção não é a mesma dos governantes. Ele não organiza censos para saber com quantos homens poderia contar em caso de guerra e quantos tinham que pagar impostos. Os tiranos determinam recenseamentos para medir suas forças. Deus, ao contrário, pede censos para cuidar de Seu povo. Deseja ter suas notícias. Quer saber se todos ainda estão aí, pronto para correr atrás daqueles que perdem ao longo do caminho. Porque Ele não quer que ninguém fique para trás. Quando Deus ordena a Moisés que recenseie seu povo não usa o verbo CONTAR, mas LEVANTAR A CABEÇA (Armellini). Deus pede a Moisés que ergua a cabeça das pessoas para que Ele possa olhar para o rosto de cada um de seus filhos e filhas e ficar feliz quando percebe neles os traços do Seu rosto. Para o censo dos poderosos, o povo vai cabisbaixo em sinal de submissão. Deus, pelo contrário, exorta todos/as a erguerem a cabeça não com atitude de arrogância, mas como manifestação externa daquela dignidade que Ele mesmo conferiu a cada ser humano e que com Jesus vem redimir. O censo de Deus é um ato de cuidado que humaniza. O do Império, ao contrário, é o enésimo decreto de opressão que desumaniza. É um instrumento de poder para escravizar as pessoas, manipulá-las de acordo com os interesses daqueles que o detêm e silenciar suas vozes para que não reivindiquem seus direitos. É neste contexto de exploração que se realiza o recenseamento da família de Nazaré. José e Maria não têm como escapar. Eles devem obedecer prontamente. Como os pobres de todos os tempos, eles não têm voz nem vez.
2. Pirâmide do poder
Numa sociedade hierárquica, eles ocupam os últimos degraus da pirâmide seguindo um padrão que se repete em todas as dimensões da vida e se estende às relações sociais, até dentro de casa. No texto do evangelho, depois da lista das autoridades, vem o homem da casa, o pai. É José, um humilde carpinteiro de Nazaré que, apesar de ser descendente de Davi, não goza de muito prestígio porque sua dinastia já está em declínio. Depois, descendo mais um degrau, vem a mulher, Maria, uma menina desconhecida que, como todas as mulheres, conta pouco naquele contexto patriarcal e masculino. Finalmente, no degrau mais baixo, aparece o menino colocado numa manjedoura porque não há lugar para ele no alojamento (Armellini). Na hierarquia dos Impérios deste mundo, as crianças não contam nada porque ainda não podem ir à guerra, não geram renda e não pagam impostos. Apenas incomodam e geram gastos. Para os mais perversos, daria para se livrar delas ou explorá-las para gerar renda. É assim que o velho mundo funciona. É uma pirâmide que concentra o poder no topo e escraviza os de baixo. Dá espaço aos grandes e deixa os pequenos para trás. Dá valor a quem tem dinheiro e despreza os indigentes. Mas Deus não pensa assim.
3. A subversão feita por Deus
Ele entra na história para derrubar o sistema piramidal de uma maneira completamente original. Para ele, o menor de todos é o mais importante. O novo mundo que Ele anuncia começa desde o último degrau da pirâmide imperial. Inicia com a criança que passa do último degrau para o centro das atenções. O menino sem-lugar ocupa o lugar principal. Aparentemente, não tem nada de especial. Ele é tão frágil quanto qualquer criatura de sua idade. É envolto em faixas. Usa fraldas, diríamos hoje. É um detalhe importante que Lucas cita duas vezes para enfatizar que sua natureza humana não é uma ficção, mas um fato real. É uma criança de verdade, em carne e osso. Chora, sorri, está faminta de leite e carinho como qualquer outra pessoa de sua idade. No entanto, não é uma pessoa qualquer. É o próprio Deus que surpreendentemente se faz criança. É Jesus, o Deus que salva. É o Emanuel, o Deus conosco. É o Messias que vem para libertar o seu povo. É o Servo que um dia se ajoelhará diante do ser humano para servi-lo. É Aquele que, pregado na Cruz, nos amará mesmo quando o matamos. É assim que Deus é. Qualquer outra imagem que se afaste da pequenez, fragilidade e ternura do Menino de Belém é uma caricatura. Assemelha-se ao Pai. Seu rosto tem Suas mesmas feições. Elas devem ser contempladas e acolhidas, mesmo que nos deixem sem palavras e, talvez, nos escandalizem. É na pequenez da criança que contemplamos a Sua grandeza. É na sua fragilidade que vislumbramos Sua força. Seu poder consiste no espírito de serviço. Sua glória manifesta-se no exercício da misericórdia e no dom de si. Todos estes traços vão na contramão.
4. Nós resistimos…
Porque já não fazem parte da nossa identidade. Envergonham nossas manias de grandeza. O Menino Jesus vem pôr fim às falsas imagens de Deus que criamos para torná-Lo parecido conosco, adaptá-Lo aos nossos interesses e moldá-Lo de acordo com as nossas perversões. O Menino Jesus vem minar as ideologias que nos fazem perder a semelhança com Ele. Elas destroem nossa identidade de filhos e filhas de um só Pai e irmãos e irmãs entre nós. O Menino Jesus vem virar tudo de cabeça para baixo, subverter o mundo, pôr fim aos centros de poder que escravizam a humanidade. O Menino Jesus vem para erguer os pequeninos, endireitar os curvados, libertar os oprimidos, restaurar os pecadores, restituir a esperança a quantos se sentem perdidos, recolocar os marginalizados no centro e trazer de volta à vida comunitária aqueles/as que são descartados/as.
5. Sentido profundo Natal: SUBVERSÃO!
O Natal, portanto, não é uma simples emoção, mas uma subversão. Não é um acontecimento qualquer, mas uma reviravolta na vida pessoal e social. É uma inversão de marcha. É uma convocação ao censo do novo mundo. Não é um chamamento ao “alistamento militar” ou uma corrida às armas, mas uma convocação à paz. Não é uma intimação a abaixar a cabeça como sinal de submissão, mas é um convite a levantar a cabeça porque não somos mais escravos, mas filhos e filhas, e, se somos tais, também somos herdeiros/as pela Graça de Deus (Gl 4:7). Não há mais soldados abusando do poder e espalhando terror, mas anjos que tranquilizam, consolam e incutem coragem. O que conta não é o imperador, mas a criança. Já não há as insígnias do poder, mas o sinal do recém-nascido colocado numa manjedoura cercado por pessoas pobres, deserdadas e marginalizadas, que não têm mais motivo para viverem com medo, porque lhes é anunciada a alegria de serem amadas por Deus em primeiro lugar.
6. Fé como Acolhida e Cuidado
Aceitemos, pois, o convite e dirijamo-nos a Belém com os pastores. Rendamo-nos ao Menino Deus e deixemo-nos transformar pelo Seu Evangelho. Com a força de Sua Palavra, vamos virar o mundo de cabeça para baixo para começar de novo de baixo como Ele faz. Refaçamo-lo novamente a partir dos/as últimos/as e com a simplicidade dos/as pequenos/as. Vamos reconstruí-lo sob a medida do amor e da ternura. É o Menino Jesus que nos pede isso e, através d’Ele, cada criança que hoje tem fome e nos pede comida, tem sede e nos pede um copo de água, está espoliada de seus direitos e pede-nos para ser revestida de dignidade, está desabrigada e pede-nos para ser acolhida, está doente e pede-nos para ser assistida, tem medo e pede-nos segurança, é vulnerável e pede-nos para ser protegida, sofre e pede-nos consolação. Vamos cuidar delas. Para a alegria de Deus e o bem das crianças, mudamos este mundo, de uma vez por todas. Santo Natal a todos/as. Deus diga o bem de todos/as nós.
(Pe. Xavier Paolillo, Missionário Comboniano)