Para as mulheres do Sul do Espírito Santo e para Tia Iolanda, in memoriam
Por Patrícia Teixeira Santos*
Na violência das águas turvas, sonhos arrastados. Vidas alteradas. Casas Soterradas.As cenas que estamos acessando das tragédias causadas pela chuvas em diversas cidades no Sul do Espírito Santo, nos fazem pensar em tantas vidas, sonhos e histórias que as águas levaram e a lama soterrou.
A avidez exploratória do meio ambiente e das vidas não se faz sem terríveis consequências.
E o que mais traz angústia é ver que tantas dores poderiam ter sido evitadas, se de fato a pobreza e a desigualdade fossem vistas como reais obstáculos ao desenvolvimento.
Não criminalizando os pobres, mas se percebendo a condição de dificuldade de tantas pessoas terem Trabalho, Terra e Moradia dignas. E isso é inaceitável.
Essa situação não é um fato isolado.
E o desequilíbrio climático e desastres naturais não são seletivos.
Esses acontecem e afetam as populações mais pobres porque há um declarado abandono e perifização dos mais empobrecidos que, paradoxalmente são os que mais lutam, trabalham arduamente e pagam pesados impostos que são atribuídos aos alimentos.
No Brasil há milhões de pessoas que moram mal, gastam imensamente para sobreviverem e sofrem diretamente as sequelas das mudanças climáticas porque não há investimento real para moradias de fato dignas para elas.
Na minha família temos uma história triste, que ocorreu há quase cem anos, de uma prima que desapareceu nas águas turbulentas, causadas por chuvas excessivas, em Minas Gerais, na Cidade de Passa Quatro.
A lembrança que restou dela foi uma foto da revista que cobria a tragédia, na qual minha tia avó Iolanda chorava, enlouquecida, pela filha que foi levada pela fúria das águas do Rio que transbordava.
Essa parenta nunca mais se recuperou. O brilho da vida se ofuscou no coração da tia Iolanda.
Eu a vi uma única vez na vida, com vinte anos de idade, e os olhos dela eram opacos e me lembravam as águas turvas que levaram a sua filha amada, para o fundo do Rio.
Quase cem anos que as águas tragaram para o fundo a doce filha de Iolanda. Nós ainda a recordamos. Jamais a esqueceremos.
É uma dor de ver tudo que era tão especial ser levado.
E que a solidariedade e o Amor dos que ficam é que nos retiram dos escombros do sofrimento.
Vejo em cada mãe, filha, esposa, irmã que perdeu seus bens, parentes e saúde nesses alagamentos, a minha tia Iolanda e tantas mulheres que nos Jornais são números.
Mas que são tão importantes para aqueles que as amam profundamente.
Toda solidariedade e amizade as vítimas do Sul do Espírito Santo nestes dias tristes do mês de março de 2024.
E a tantas pessoas que as águas as arrancaram da vida terrena. Mas que jamais deixaram de habitar os corações cheios de saudades dos quem em terra e desolação ficaram.
Força, Luta, Amor, Solidariedade e Axé!
*Docente do Departamento de História da Universidade Federal de São Paulo