
Páscoa e mulheres: povo de Piquiá, conquista direito à Vida
Como falar da Páscoa e dos sinais da ressurreição na comunidade do Piquiá? – A lição do Piquiá, agora chamado “da Conquista”, fala ao coração das mulheres que caminharam na madrugada e na escuridão das poeiras e dos ruídos, mas que por fim ouviram: “Ele não está aqui, levantou-se”.
Festa e celebração no novo reassentamento de Piquiá da Conquista.
De que forma falar a respeito dos sinais da ressurreição na comunidade do Piquiá, já que ressurreição é a vida que vence a morte e vivemos hoje os momentos da Páscoa, festa da esperança, festa da vida, na qual Jesus depois da morte na cruz reviveu e revive hoje dentro de nós? A ressurreição é a mensagem central do cristianismo, na qual o amor é o vencedor.
Dentro desse contexto, o pequeno bairro de Açailândia, chamado Piquiá de Baixo, uma pequena flor maranhense, nascia nos anos 70, à beira do rio em suas águas puras, entre as belezas da mata, no meio da natureza. No entanto, esse pequeno recanto natural e seus moradores recebe nos anos 80, pelas mãos do Programa Grande Carajás, o maior projeto brasileiro de exploração, escoamento e exportação de minério, proposta essa executada pela então estatal Vale do Rio Doce, hoje privatizada e denominada Vale S. A.
Quando os rumores da vinda das siderúrgicas e da Estrada de Ferro Carajás chegaram, os moradores receberam as notícias com a perspectiva de oportunidade de trabalho, porém também com o receio do que estaria de fato por vir e logo se viram impactados pela presença de cinco indústrias de ferro-gusa e pelos trilhos da Estrada de Ferro Carajás, que trepida dia e noite, rompendo o silêncio na comunidade.
Assim Piquiá, a flor maranhense, vê passar diante dos seus olhos uma riqueza que não lhes pertence, 240 milhões de toneladas ao ano, são vagões a cada 20 minutos dia e noite e que apitam e fazem tremer os corações e as casas. Mas como falar dos sinais de esperança, se junto com os trilhos, e o rico ferro-gusa vieram também as doenças, o descarte siderúrgico incandescente, mortes e mutilações? Os ventos que antes sopravam doces, limpos e perfumados nas águas agora eram carregados de pó de ferro e do ruído incessante da ferrovia. Para a pequena Piquiá de Baixo chegaram, além disso, uma indústria de cimento e a rodovia BR 222.
Muitos até tentaram levar uma vida normal, porém foram tomados de assalto pelas buzinas dos trens, pelos escapes de chamas e fumaças das guseiras ao interromper a nostalgia do ambiente belo e limpo do passado. Ficou assustador ver a vegetação coberta por uma camada de pó preto, especialmente no verão, quando as chuvas são escassas, assim como as paredes das casas rachadas e com camadas de poeira, os pés sujos das pessoas. Chama a atenção ver que as estrelas não aparecem durante a noite, pois além da poeira, as luzes das indústrias clareiam o céu cobrindo-as todas; a lua amarelada e opaca quase não se vê no céu.
“Na frente de nossa casa passa a Estrada de Ferro Carajás, ao redor existem indústrias de Ferro-Gusa e, do lado, o entreposto de minério da Vale. É triste morar num local onde todos têm chance de ter problemas respiratórios”. É a fala da moradora Joselma Alves de Oliveira, nascida e crescida na comunidade e que hoje mudou-se para um lugar distante, porém seus pais e irmãos ainda continuam lá. Seu maior sonho é que sua família se mude para um local melhor.
Dona Tida, uma antiga moradora da comunidade, presidente da Associação dos Moradores e viúva há muitos anos disse ter um sonho, o de sair de Piquiá e morar num lugar onde se tenha uma vida digna. “Viver num sufoco desses não representa dignidade para ninguém, a poluição é demais, a gente já não pode aguentar mais”.
Notemos como os relatos dos evangelhos sempre nos trazem as mulheres, como Dona Tida e Joselma, nas madrugadas e dificuldades da vida, que buscam no Cristo uma força, são as amigas de Jesus que vão ao túmulo do Senhor a fim de perfumá-lo. “Na madrugada, quando o sol ainda não havia nascido, elas queriam perfumar o corpo do Senhor e se perguntavam: quem poderá tirar para nós a pedra enorme que fecha a entrada do túmulo?”
Diante da questão, a partir de 2007, houve acirramento das relações entre as indústrias e a comunidade, que se mobilizou através da “Associação Comunitária dos Moradores do Piquiá” e apoio das entidades “Justiça nos Trilhos”, Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos e Paróquia de Santa Luzia. Assim, teve início uma série de denúncias e protestos com repercussão nacional e internacional, tendo como fim sensibilizar as pessoas e instituições sobre o sofrimento vivido em Piquiá.
Uma consulta coletiva a todos os moradores da comunidade, em 2008, definiu como solução o reassentamento em uma localidade livre de poluição e, desta forma, iniciou-se o processo de negociações para se alcançar esse objetivo. O resultado da mobilização gerou, em 2011, um termo de ajuste de conduta do Ministério Público para que o Município de Açailândia desapropriasse uma área para o reassentamento das famílias, processo que durou até 2018.
Assim, de forma única e significativa, chegou o momento mais esperado pela comunidade. No dia 23 de novembro de 2018, tiveram início as obras de limpeza do terreno do novo bairro, designado pelos moradores como “Piquiá da Conquista”. Com uma celebração ecumênica e ato de benção do terreno, uma nova etapa da história começava a ser construída.
“A alegria é imensa, porque a nossa luta foi sofrida, mas nós sempre acreditamos e suamos para conseguir”, afirmou Wellem Pereira, morador do bairro de Piquiá de Baixo e futuro morador do Piquiá da Conquista.
A festa da esperança tomou forma para a comunidade; o renascimento que parecia impossível agora é real e palpável. Quando se olha o novo terreno do reassentamento pode se ver sim a poeira, mas é a poeira das máquinas que alinham as ruas executando o projeto arquitetônico, urbanístico e habitacional, confeccionado pela comunidade em 2013, trazendo vida e saúde como sementes de um novo tempo. A Páscoa do renascimento para uma nova vida se fez presente no Piquiá da Conquista, nos fazendo lembrar que há tempos de dificuldade, de pedras nos sepulcros, mas nunca podemos cair na desesperança, pois a pedra foi removida e dentro do túmulo já não havia mais morto.
A lição do Piquiá, agora chamado “da Conquista”, fala ao coração das mulheres que caminharam na madrugada e na escuridão das poeiras e dos ruídos, mas que por fim ouviram: “Ele não está aqui, levantou-se para a vida nova”. A noite escura se fez presente durante muitos anos, anos de perdas, anos de dor, mas sempre ao amanhecer, junto com o sol que ilumina, nasce também a esperança, a união e a luta por uma vida mais justa e melhor.
A palavra Páscoa significa passagem, da escravidão para a liberdade, com isso, os moradores do Piquiá, na experiência pascal poderão ver as folhas das plantas, não mais cobertas de cinza e pó de ferro, mas verdes como a vida, pois não há amor na escravidão e sim na liberdade.
A palavra que fica deste tempo e desta reflexão é a esperança, esperança da ressurreição diária, da mudança do que somos enquanto criaturas humanas cheias de dúvidas e de medo, transformadas agora em pessoas confiantes, pois sabemos que é possível vencer a morte. O amor vence a morte e isso também foi visto na experiência do Piquiá do Conquista.