Páscoa-Ressurreição de Jesus: quarentena, celular e internet
Há um mecanismo econômico que fere a Terra com as correntes da exclusão e isto faz Jesus chorar, ao ver tanta riqueza nas mãos de poucos e os Lázaros abandonados pelas ruas do Brasil e do mundo inteiro. A quarentena de fato nos igualou?!
Jesus ressuscitou para acender nos corações humanos as luzes da fé, da esperança e da caridade.
1. Jesus chora
Na Sagrada Escritura e particularmente nos Evangelhos é comum encontrar Jesus, no cotidiano da missão, proclamando a Boa Notícia da salvação, curando pessoas, realizando sinais e prodígios. A vida de Jesus no Evangelho é repleta de encontros e um destes desperta atenção pois Jesus está numa situação na qual não é comum vê-lo. Jesus está chorando (1). O choro é uma das expressões mais presentes na trajetória humana. O choro deriva até dos momentos de conquistas e alegrias, mas o choro revela também o desaponto, a tristeza pela ingratidão, pela ausência. Os pais choram – até escondidos dos filhos – quando estão sempre brigando, tomados pela sede da ganância, da opressão e da dominação que atinge os contornos sociais e econômicos.
A humanidade está enxergando Jesus chorando, desapontado pelos erros cometidos e pelo modo como tem sido tratada a Mãe Terra. No início do Livro do Gênesis, Deus coloca a Terra nas mãos da humanidade para que esta seja cuidada, para que surjam frutos e estes sejam partilhados (2). Ao longo dos séculos, a Terra tem sido depredada e como os frutos derivam dos processos de dominação são apenas acumulados por poucos. Uma produção desumana tem ferido sistematicamente a finalidade, alma da Terra, ou seja, a hospitalidade. Os processos de produção redesenham uma Terra que não tem sido a Casa de portas abertas para acolher a todos. Há um mecanismo econômico que fere a Terra com as correntes da exclusão e isto faz Jesus chorar, ao ver tanta riqueza nas mãos de poucos e os Lázaros abandonados pelas ruas do Brasil e do mundo inteiro.
2. A pandemia é uma tempestade
A face da terra está passando por uma forte turbulência. Trata-se de uma tempestade sem precedentes. Há a possibilidade de redescobertas que estão em curso e que darão frutos. Existem muitos gestos que ficarão no cotidiano das nações quando o mar se acalmar. Tais gestos abrirão os olhos da humanidade para enxergar e comprometer-se com o outro e banirão expressões conhecidas, como por exemplo: ‘Não é problema meu’. Grandes e ricas nações como China, EUA, Itália, Espanha, e outras experimentam o sabor amargo desta expressão. Se houvesse maior compromisso com o outro nos projetos políticos e econômicos, nos cenários nacionais e na comunidade internacional, a sociedade hodierna, no apogeu do desenvolvimento tecnológico não veria a catástrofe de mais de 100 mil pessoas mortas pelo coronavírus, em especial nos territórios estadunidense, italiano, espanhol e francês. Lamentavelmente, não deixa de aumentar o número de vítimas do coronavírus no Brasil e no mundo. O sangue destas pessoas chega até Jesus, que ouve o grito por Ressurreição.
3. Jesus, o Senhor da vida
O mesmo trecho do Evangelho no qual Jesus está chorando a morte de Lázaro mostra Jesus rezando e em seguida exclamando, ‘Lázaro, venha para fora’ (João 11,43). Este é o pedido de Jesus para todas as vítimas do coronavírus e significa que Jesus as convoca para que participem da Luz da Ressurreição. A Páscoa é o sacrifício de Jesus que caminha com toda a humanidade e convida para esta passagem da morte para a vida. Este pedido de Jesus não é feito só no momento da morte corporal, mas sobretudo enquanto a humanidade está empenhada na construção das mais variadas relações. Assim, ouvir o pedido de Jesus, ‘Lázaro, venha para fora’, tem outro significado: sair da escravidão para a liberdade, da indiferença para a fraternidade, do acúmulo vil para a partilha. Estas são passagens de Ressurreição, que exigem a saída da morte para a vida.
4. Pessoas amarradas hoje?
É verdade que Lázaro morreu, familiares e amigos sentiram o peso do luto durante dias e conviveram com o drama da ausência de uma pessoa querida. O mesmo aconteceu com Jesus no madeiro da cruz. A morte de Jesus que deriva de um processo injusto, fere o coração de Maria, como hoje a partida de filhos e filhas, vítimas do coronavírus, entristece os corações maternos no mundo inteiro. No relato de Lázaro, Jesus pede que ‘Soltem-no e deixem que ele ande’ (João 11,44). Esta Palavra aponta para as correntes que atualmente, na sociedade, ainda aprisionam pessoas e impedem que caminhem com autonomia, como as duras correntes do desemprego, da falta de moradia e de saneamento básico, da violência contra as mulheres, da exploração da mão de obra infantil e muitas outras. Todas estas correntes podem ser quebradas pela luz da Ressurreição.
5. O sonho de Deus
Jesus é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, e portanto, conhece todas as alegrias e amarguras humanas, até mesmo o fenômeno da morte. Jesus não apenas viu morrer, mas também sofreu uma morte violenta, na qual foi abandonado por todos os amigos, exceto pela mãe Maria e por um discípulo amado, chamado João. A morte de Jesus destrói a morte que permanece apenas num plano material, mas não atinge a alma humana. Em Jesus, a morte é entendida como a antessala da Vida que a pessoa humana deseja nos melhores sonhos. Sonho e realidade são lados desta moeda preciosa chamada pessoa humana. Cada pessoa humana está nos melhores sonhos de Jesus. E Jesus ressuscitou por todas as pessoas, para que os melhores sonhos se tornem realidade. Os sonhos não morreram. A paz, a justiça e o amor não morreram. Onde estão estes belos sonhos? Neste exato momento estão sendo sonhados por Jesus e pelas pessoas de boa vontade, aguardando ulteriores concretizações. Jesus ressuscitou para que cada pessoa acredite no que há de melhor em si mesma, no outro e no mundo. Jesus ressuscitou para acender nos corações humanos as luzes da fé, da esperança e da caridade.
(1) “E Jesus chorou”. Evangelho segundo João, capítulo 11, versículo 35.
(2) “E Deus os abençoou e disse: Sejam fecundos, multipliquem-se, encham a terra e a submetam”. Gênesis, cap. 1, versículo 28.