Prudente ou sem juízo?
Esta é alternativa diante da qual nos põe Jesus com a Parábola da casa construída na rocha ou na areia (Mt 7,21-29). Prudente é quem fundamenta a sua vida no Evangelho. Ouve o que diz Jesus e pauta sua vida conforme Seus ensinamentos. Sem juízo é quem ouve a Palavra, mas não a põe em prática. O que faz a diferença, portanto, não é a simples devoção, mas a imitação de Cristo. Não é teoria, mas a prática. Não são as boas palavras e as boas intenções, mas a atuação conforme o Evangelho. Jesus reprende todos/os os/as “crentes” que não percorrem o caminho da autêntica conversão e, apesar das conversas e das manifestações religiosas, não vivem o mandamento do Amor, sobretudo para com os/as mais pobres e abandonados/as. No fim dos tempos, o critério de discernimento utilizado por Deus para julgar nossas vidas, não será a teoria, mas a prática. Deus nos avaliará pelos frutos do Reino: paz, justiça, misericórdia, compaixão, solidariedade… “Todas as vezes que deixastes de fazer isso a um/a destes/as pequenino/as, foi a mim que deixastes de fazer” (Mt 25,45). É neste texto do Evangelho que encontramos a nossa identidade. É irreconhecível aos olhos de Deus quem usa Seu nome para profetizar, expulsar demônios e fazer milagres e, ao mesmo tempo, pratica maldade, espalha mentiras, incentiva o ódio, alimenta o preconceito e justifica a violência. *“Quem me rejeita e não aceita minhas palavras já tem seu juiz: a palavra que Eu falei o julgará no último dia” (Jo 12,44-50).
«Contava-se a respeito do Abba Serapião que, certa vez, tendo encontrado em Alexandria um pobre tremendo de frio, disse consigo mesmo: “Como é que eu, que passo por ser um asceta, estou vestido com uma túnica enquanto esse pobre, ou melhor, o Cristo está morrendo de frio? Com toda certeza, se o deixar morrer de frio, serei condenado como homicida no dia do Juízo”; e despindo-se, como um valoroso atleta, deu ao pobre a vestimenta que trazia. Sentou-se, então, com o pequeno Evangelho que sempre trazia debaixo do braço. Um guardião da paz que passava, ao vê-lo despido, disse: “Abba Serapião, quem te despojou de tuas vestes?” Tirando o pequeno Evangelho, ele respondeu: “Foi este aqui que me despojou”. Levantando-se dali, encontrou alguém que estava sendo preso por causa de uma dívida e não tinha como pagá-la. Vendendo o pequeno Evangelho, esse imortal Serapião pagou a dívida do homem. E voltou despido para sua cela. Logo que seu discípulo percebeu que ele estava nu, disse: “Abba, onde está tua pequena túnica?” Respondeu-lhe o ancião: “Meu filho, eu a enviei para onde nós vamos ter necessidade dela”. O irmão lhe disse: “Onde está teu pequeno Evangelho?” O ancião respondeu: “Meu filho, por causa daquele que, a cada dia, me dizia: “Vende tudo o que tens e dá o dinheiro aos pobres” (Mt 19,21), eu o vendi e dei o dinheiro para ter mais confiança nele no dia do Juízo”».
Nunca a Palavra foi citada, usada e abusada como nos últimos tempos. É utilizada para dizer tudo e o contrário de tudo. Está na ponta da língua, mas não entra no coração para se tornar sangue que corre pelas veias do cotidiano. Não é acolhida conforme o pensamento de Deus, mas é interpretada e utilizada à segunda do interesse de quem a manuseia. Até nas Igrejas nem sempre é levada a sério. Para o monge Serapião, ao contrário, “a Palavra é um alimento capaz não apenas de alimentar para a vida eterna, mas igualmente de modelar a vida diária, aqui e agora… É a fonte de inspiração de sua ação, a referência fundamental na busca cotidiana de uma vida conforme o Evangelho” (Irmão Guido Dotti). É nela que encontramos o que Deus quer de verdade. Não é um simples devocionário, um manual de boas maneiras ou um livro de autoajuda para vencer a depressão e curar as nossas neuroses, mas é o alimento indispensável para a vida do dia a dia seja plena e tenha a marca do Eterno. “A Palavra é luz para o caminho” não somente a nível de ascese pessoal, mas também e mais ainda nas relações fraternas, na acolhida do outro, no serviço do irmãos/ãs: toda norma, por mais autorizada que seja, a mais «santa» de toda regra, a mais antiga de toda tradição, é avaliada e subordinada ao mandamento do Evangelho: o jejum pode ser rompido para acolher um hóspede, a escuta do irmão que está angustiado pode tomar o lugar da recitação dos salmos, o fruto do trabalho cotidiano deve ser repartido com os que estão passando privação, a misericórdia para com o pecador deve suplantar a justiça estabelecida pela lei” (Guido Dotti). É a Palavra que Jesus falou que nos julgará no fim dos tempos. Não adianta honrar Deus com os lábios ou citar versículos bíblicos de boca para fora, se o coração está longe do coração misericordioso de Deus. Como também a nada serve realizar cultos solenes, permanecer fiéis a tradições, ensinar doutrinas e preceitos humanos deixando de lado o mandamento da caridade. Como o próprio Jesus disse, “Não todo aquele que me diz: Senhor, Senhor, entrará no Reino dos Céus, mas sim aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos Céus” (Mt 7,21). O ‘cristão praticante” não é simplesmente quem vai à Missa aos domingos, mas quem professa uma vida segundo os valores do Evangelho, mesmos se isso implica ter que avançar contra a corrente social, política e, às vezes, “religiosamente correta”.
(pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)