Quando Jesus Não Basta
No barco de Jesus, há agitação (Mc 8,14-21). Desta vez, a culpa não é das ondas agitadas pelos ventos, mas dos próprios discípulos que ficam preocupados por terem esquecido o pão da merenda. O barco vacila por uma “tempestade em copo d’água”.
O diagnóstico de Jesus é duro, daqueles que ninguém gostaria de ouvir pela boca do médico. Os discípulos têm olhos, mas não enxergam. Têm ouvidos, mas não ouvem. Têm coração, mas está endurecido. Estão todos acometidos por uma forma de Alzheimer espiritual. Não conseguem lembrar aquilo que o Mestre diz e faz. Não recordam nem sequer a multiplicação dos pães e dos peixes, apesar de ter acontecido duas vezes. E, quando lembram, não entendem. Apesar de conviverem com o Mestre e de terem ao alcance o Pão da Vida, ainda não confiam n’Ele. O esquecimento do pão para o lanche foi providencial para que pudessem aprender a confiar no verdadeiro pão que é necessário, Jesus Cristo. Mas, em vez disso, seus corações se apavoram apenas pela falta do pão material. Parece que Jesus não basta.
A culpa é da péssima alimentação. Continuam engolindo porções abundantes de fermento dos fariseus e de fermento de Herodes, que fazem mal ao coração e só alimentam a descrença, a exigência de confirmações, de provas evidentes e de intervenções milagrosas para poder acreditar n’Ele. É o fermento da desconfiança, do medo, do narcisismo e da sede de poder. É uma praga que, quando pega, tem efeitos devastantes. Alastra-se rapidamente e contagia todo mundo. Produz a progressiva falência dos “olhos”, dos “ouvidos” e do “coração”. Não basta saber muito sobre Jesus, não basta nem ver milagres: é necessária a fé. É disso que Jesus quer falar. “Por isso, só nesta passagem, Ele faz 7 das 60 perguntas que percorrem todo o Evangelho de Marcos. Ele exorta os discípulos a não se contentarem com respostas baratas, mas a aprenderem a se questionar. Não é fácil ficar na pergunta, porque de alguma forma o ponto de interrogação assusta, cria insegurança, enquanto o fascínio de uma resposta imediata parece um porto mais seguro. Por outro lado, fugir de perguntas é fugir da vida. São as perguntas que revelam a profundidade da existência, que trazem à tona dúvidas e invocações. Jesus desafia o coração, desafia os olhos, desafia os ouvidos, desafia a memória dos discípulos. Não basta estar no mesmo barco com Jesus para acreditar que já entenderam com quem estão lidando”. (Pe. Antônio Savone)
Deixemos que Ele questione também nós. Também o nosso “barco” arrisca afundar não tanto pelas tempestades externas, mas pelos tumultos internos. Falta de confiança n’Ele, pirraças, picuinhas, narcisismos delirantes, ânsia pelos milagres e obsessão pelo poder fomentam brigas, divisões, mentiras e calúnias que nos implodem por dentro. Não adianta dissimular nossa patologia. Os sintomas estão escancarados, provocando escândalo nas pessoas que embarcam em nosso barco e esperam de nós não o atolamento na lama da baixaria, mas a oportunidade de navegar para águas mais profundas. O barco não pode partir se não içar a âncora que o prende ao fundo das mesquinharias. Não consegue navegar se não se livrar do peso excessivo da autoreferencialidade, da morbosa atenção à exterioridade, do legalismo, fanatismo, espiritualismo e moralismo que, em muitos casos, é a autodefesa dos devassos, que lutam contra sua própria perversão; atirando dardos de hipocrisia contra o seu próximo (Nilton Cesar Santana). E não vai velejar se não abrir a vela ao sopro do Evangelho, livre de qualquer cálculo político, interesse mundano e manipulação ideológica. A bordo de Seu barco, Jesus não quer uma tripulação de cabeça baixa e olhos fechados, mas bem abertos e vigilantes que não perdem de vista Ele; não quer tripulantes que se deixam ensurdecer e manipular por mentiras e conversas fiadas, mas que prestam atenção à Verdade de Sua Palavra; não quer marinheiros/as com o coração duro e indiferente como uma pedra, mas com coração como o Seu, cheio de amor misericordioso. Jesus deseja discípulos e discípulas que se lembrem para sempre da multiplicação dos pães e dos peixes para confiar n’Ele, se alimentar de Sua Palavra e fazer dela o fermento do novo mundo que Ele veio inaugurar. (Pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)