Quaresma-Quinto Domingo: Eu não te condeno. Podes ir
“Eu não te condeno! Podes ir”
1. Acusação no tribunal
O pátio do templo de Jerusalém, de repente, se transforma numa sala de audiência para a celebração de um processo sumário (Jo 8,1-11). A ré é uma mulher “surpreendida em flagrante adultério”. Não tem nome, pois para os escribas e os fariseus que a condenam não é uma pessoa. É uma adultera. A partir daquele momento passa a ser chamada pelo erro que cometeu. O crime se torna a sua nova identidade. Fica em silêncio, pois lhe é negado o direito à defesa. As testemunhas da acusação são todos “machos” e com pinta de “autoridade moral”. São mestres da lei e fariseus, funcionários do sagrado que, porém, se equivocaram muito a respeito de Deus ao ponto de achar que, para defender seus mandamentos, podem até matar. “Colocar a lei antes da pessoa é a essência da blasfêmia” (Simone Weil). A lei de Moisés prevê neste caso a pena de morte por apedrejamento. O que chama a atenção logo de cara é que o adultério só acontece se houver mais de uma pessoa. Mas, só a mulher é arrastada à praça pública e exposta à tamanho constrangimento. Ainda uma vez prevalece a lógica machista que perversamente afirma que “a culpa é sempre e só da mulher”.
2. Jesus na defesa
Os acusadores jogam literalmente a mulher aos pés de Jesus para desafiá-lo e terem motivos para acusá-lo. Jesus não diz nada. Abaixa-se. “Inclina-se diante do mistério da pessoa, não do código penal” (Ermes Ronchi), Interessa-lhe a pessoa muito mais do que as providências legais, sobretudo quando são utilizadas para expor ao linchamento público, matar a sede de vingança, humilhar, consagrar preconceitos, rotular definitivamente as pessoas e matar qualquer oportunidade de futuro. Passa a escrever na areia. Ninguém conseguiu descobrir o que Jesus escreveu. Prefere o “segredo de justiça” para salvaguardar a dignidade da pessoa do que a expor ao linchamento público antes mesmo da confirmação de sua responsabilidade. Gosto de imaginar que escreveu na areia o pecado da mulher para o vento de sua misericórdia varrê-lo logo e definitivamente. Não manda lançar o nome da mulher no rol dos culpados, pois, apesar de seus erros, continua gravado nos Céus.
Diante da insistência dos escribas e fariseus, Jesus ergue-se e diz: “Quem dentre vós não tiver pecado seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra”. “Com uma só tacada acaba com todo o ordenamento legal vigente” (Ermes Ronchi). É o fim de um sistema legalista que, no lugar de corrigir o erro, acaba com a pessoa que o comete. Ninguém apresenta recurso, até porque ninguém gostaria de passar por esse mesmo linchamento. A audiência é concluída. Um por um os presentes vão embora. Só ficam Jesus e a mulher. Santo Agostinho diz que ficaram “a miséria humana e a misericórdia”.
3. Misericórdia e futuro
Então Jesus se levanta e lhe dirige a palavra com a mesma ternura com que se dirigia à sua mãe: “Mulher”. ”Cadê eles?”, pergunta. ”Ninguém te condenou?”. “Ninguém”, responde ela. “Então Jesus lhe diz: ”Nem Eu te condeno. Podes ir e, de agora, em diante, não peques mais”. Eis a frase “escandalosa” que mostra o rosto autêntico de Deus. Acabou o regime penal e começou o Ano da Graça. Inauguraram-se os tempos da misericórdia. É para jogar fora o pecado não o/a pecador/a.
Com o crime nenhuma condescendência, mas a quem o comete todo o apoio necessário para que não volte a cometê-lo. A condenação não repara o dano da vítima e nem resgata o autor do dano. Só faz dano. Dana a vítima ao esquecimento. Dana o autor a um sistema carcerário que desumaniza. Dana a sociedade que vai ter que aguentar as consequências da violência que as cadeias proporcionam. Jesus nem condena nem absolve. Faz uma outra coisa “libera as possibilidades daquela mulher, mudando não seu passado, mas seu futuro” (Ermes Ronchi). “De agora em diante, não peques mais”. Suas palavras bastam para reabrir sua vida à esperança. Ele não prende a mulher atrás de grades nem acaba com sua vida. Isso não serve para nada, se não para matar a sede de vingança e abrir caminho aos nossos impulsos mais perversos. O sistema penal não libera a pessoa do passado, mas a atola nele. Exceto raríssimas exceções, aprofunda o/a apenado/a na criminalidade. Além de ficar marcado/a para sempre pelo crime que cometeu, vai ter que aprender a conviver com o rótulo “não tem mais jeito”. Jesus faz todo o contrário. Sua atenção não está concentrada naquilo que aconteceu, mas sim no que vai suceder “de agora em diante”. Levanta a âncora que prende a vida da mulher a um triste passado e solta as suas velas para que, ao sopro do vento de Deus e de uma comunidade acolhedora possa velejar rumo a um futuro de paz. Já não está mais interessado de onde vem, mas para onde vai. Dependendo da força que a comunidade vai dar, com certeza vai chegar a um destino seguro para ele e para a sociedade. A mudança para melhor de quem comete um crime vai fazer bem a quem sofreu as suas consequências. Quem passou por isso dá um bom testemunho dessa nova perspectiva. A cultura da paz agradece.
4. Conluindo, Deus de misericórdia
Em suma, “Jesus abre as nossas prisões, desmascara a hipocrisia dos linchamentos (midiáticos e físicos) e desmonta os palanques de morte, sobre os quais nós mesmos nos errastamos e aos outros. Ele sabe que só homens e mulheres perdoados/as e amados/as podem semear ao redor de si perdão e amor, os únicos dons que nunca mais nos tornarão vítimas nem fora de nós nem dentro de nós. Não pergunta o que fez, mas o que pretende fazer. Escreve em seu coração a palavra futuro” (Ermes Ronchi). Esta é a unicidade de Jesus e do Deus que Ele veio revelar. Pegar ou largar. Camuflar, manipular ou usá-lo para justificar a violência, nunca mais.
Pe. Xavier Paolillo, comboniano en Santa Rita-PB