
RECURSOS, PODER E GUERRA NO SUDÃO (Reportagem Especial)
Onde está localizado e por que o nome Sudão?
O Sudão está localizado no nordeste da África. O nome Sudão vem da expressão árabe bilād al-sūdān que significa “terra dos negros”. Esta palavra foi usada pelos geógrafos árabes medievais para denotar países com habitantes africanos começando no extremo sul do Saara.
O Sudão foi estrategicamente muito importante para as colonizações de alguns países africanos, porque os britânicos, os italianos, os franceses, os turcos e os alemães entraram na África navegando pelo rio Nilo e pelo porto de Suakin no Mar Vermelho.
O Sudão foi colônia de outros países por mais de um século e conquistou a independência dos britânicos no dia 1º de janeiro de 1956, juntamente com o seu vizinho Sudão do Sul, lar de muitos grupos étnicos da África subsaariana.
Antes a divisão era o maior país africano, com uma área que representava mais de 8% do continente africano e quase 2% da área terrestre total do mundo. Após a independência da república de Sudão do Sul, em 9 de julho de 2011, se tornou o terceiro maior país da África. O Sudão faz fronteira com sete países: Egito, Etiópia, Líbia, Chade, República Centro-Africana, Eritreia e Sudão do Sul.
Recursos no Sudão
O Sudão tem uma longa história que se vê estreitamente ligada com a mineração, havendo registros de três mil anos, quando os núbios extraíam ouro e metais básicos, e fundiam ferro para perfurar poços de água.
Os recursos minerais ainda não foram totalmente explorados, mas incluem: petróleo, gás natural, ouro, prata, cromo, amianto, manganês, gesso, mica, zinco, ferro, chumbo, urânio, cobre, caulim, cobalto, granito, níquel e estanho.
Outro recurso muito importante nessa região é a água, precisamente o rio Nilo. Este é o rio mais longo do mundo e o mais importante da história com a extensão de 6.650 km, maior que o rio Amazonas que possui 6.400 km. O rio Nilo flui no nordeste da África e passa por dez países: Burundi, Ruanda, Tanzânia, Uganda, Etiópia, Sudão do Sul, Sudão e Egito. Entre esses países, o Sudão tem 2.000 km do Nilo e afluentes, isso quer dizer que quase a metade da bacia do rio Nilo está dentro das fronteiras do Sudão. A nascente do Nilo está localizada no Monte Kikizi (Rutovu) e deságua no Mar Mediterrâneo no Egito.
Por que conflitos antes e agora?
As causas dos conflitos entre nossos líderes políticos consistem no embate para decidir quem deve controlar os recursos e quem deve possuir o poder. Esses líderes, de certa forma, seguem instruções do mundo árabe, europeu, asiático e russo. Não vou lembrar de toda a história do Sudão agora, mas sendo sudanês, apresento algumas indicações importantes para entender a complexidade da situação, considerando os interesses locais e internacionais.
Desde a era colonial até hoje houve muito interesse e influência de mãos estrangeiras nos vários recursos do Sudão, especialmente nas grandes jazidas de petróleo, urânio, ouro e ferro. Sem esquecer as águas do Nilo que fornecem água potável e agrícola todos os dias para os 100 milhões de egípcios no deserto do Saara.
O Sudão tem 6 portos ao longo do Mar Vermelho em:- Halaid, Muhammad Qol, Port Sudan, Suakin, Tokar e Karora conectando-o ao mundo árabe e europeu. O país também possui outros 3 portos no Nilo: nas fronteiras com o Egito, Sudão do Sul e Etiópia. Porém esses portos se tornaram problemáticos, especialmente aquele que se encontra na fronteira com a Etiópia, pois o governo etíope está terminando de construir uma grande hidrelétrica: “Grand Ethiopian Renaissance Dam (GERD)”. Esta hidrelétrica é a maior de toda a África. A muitos anos tem sido motivo de luta entre Egito, Sudão e Etiópia, porque na Etiópia se encontra em torno de 70-80% da água do Nilo e, portanto, essa construção diminui a quantidade de água que chega as duas nações localizadas no deserto do Saara.
Devemos reconhecer que o governo egípcio tem uma boa conexão com o exército sudanês justamente para enfrentar a Etiópia, pois os dois se sentem ameaçados devido à construção da maior hidrelétrica da África.
Toda essa riqueza influenciou a atual configuração política, social e econômica do Sudão e infelizmente também é uma das causas dos conflitos atuais no país e fora dele. Outra causa que posso citar é a separação da república do Sudão do Sul do Sudão em 2011, porque isso permitiu ao Sudão do Sul levar consigo 75% dos recursos petrolíferos do Sudão, que causou a reclamação de propriedade das jazidas petrolíferas, especialmente as que se encontram nas fronteiras entre os dois países.

Uma guerra entre dois generais
É difícil governar uma nação tão rica e complexa, considerando os interesses de tantos personagens. Desde 2019 o Sudão não elegeu democraticamente um presidente. Essa eleição deveria ocorrer após a expulsão do ex-presidente sudanês Omar al Bashir, que governou o Sudão por 30 anos e foi chamado de ex-‘homem forte’ do Sudão, era um ditador. Como presidente não conseguiu governar bem o país e, portanto, foi derrubado e preso durante uma revolta popular com a ajuda dos militares nacionais. Curiosamente, os dois generais: Abdel Fattah Burhan e Mohammed Hamdan Dagalo (Hamitti), que estão em guerra agora, faziam parte do exército nacional que ajudou os civis a expulsar Omar Al Bashir.
O general Ahmed Awad Ibn Auf, aquele que assumiu o controle do Sudão sem se tornar chefe de Estado, estabeleceu o Conselho Militar de Transição de 2019, mas renunciou no dia seguinte em favor do general Abdel Fattah al-Burhan.
Desde 2019 os militares escolheram o general Abdel Fattah Burhan como o primeiro chefe das forças armadas e presidente para liderar a nação rumo a uma eleição democrática e Mohammed Hamdan Dagalo, escolhido o segundo general das forças armadas e vice-presidente deste governo de transição, entretanto já desde o início, os dois não se davam bem por questões de poder e controle de recursos.
Quem é Abdel Fattah Burhan?
Abdel Fattah Burhan tem uma longa carreira militar repleta de conflitos violentos e aliados poderosos. Ele fazia parte do Conselho Militar de Transição, que foi substituído pelo Conselho de Soberania de Transição em 20 de agosto de 2019, sob a presidência de Al-Burhan.
O Conselho de Soberania de Transição era grupo formado por civis e militares com um total de 11 membros, criado para guiar o país durante 39 meses em um processo de transição para a democracia. Esse conselho deveria terminar com as próximas eleições gerais e democráticas.
Porém o Conselho de Soberania de Transição foi dissolvido por Al-Burhan em 25 de outubro de 2021 após um golpe. Al-Burhan o restabeleceu em 11 de novembro de 2021 substituindo alguns de seus membros. Abdel Fattah Burhan já visitou a Arábia Saudita várias vezes e também mantém boas relações com a China.
Quem é Mohammed Hamdan Dagalo (Hamitti)?
Mohammed Hamdan Dagalo é natural de Darfur, uma rica área produtora de ouro do Sudão. Ele era empresário em Darfur antes de ingressar no exército sudanês de Omar al Bashir. Especialistas o tornaram conhecido desde julho de 2019 no Sudão como um homem economicamente poderoso.
Por ser de Darfur, Omar al Bashir o promoveu a general militar para liderar um grupo militar chamado “Milícia Janjaweed” em Darfur. Sua tarefa era combater o que foi considerado um levante naquela região contra o governo de Bashir. Milhares de pessoas em Darfur foram massacradas sob seu comando em cooperação com Omar al Bashir. Essa ação de violência acarretou um mandado de prisão contra Omar al Bashir pelo Tribunal Penal Internacional de Justiça por genocídio.
Hamitti também havia sido enviado à Líbia com alguns de seus soldados para lutar sob o comando de Omar al Bashir, que levou à queda de Gaddafi. E com a mesma tática, às vezes era enviado junto com alguns de seus soldados por Omar al Bashir ao Iêmen, onde lutou e ganhou popularidade. Algumas fotos de suas visitas ao presidente da Rússia criaram muitas perguntas, mas não quero entrar nesse tema.
Mohammed Hamdan Dagalo comandou seu grupo de “milícia Janjaweed”, também chamado de ”Rapid Support Forces (RSF)”, em muitos conflitos internos, que são considerados crimes contra a humanidade, pois incluíam assassinatos sistemáticos de civis e estupros. Tais atos violentos foram realizados em Darfur nos anos 2014 e 2015. O RSF é o principal responsável pelo massacre de Cartum em 3 de junho de 2019, tendo Hamitti como líder.
Dagalo usou o RSF para assumir o controle das operações de mineração de ouro e outros minerais, que acabou vendendo para Dubai e vários outros países. Hamitti por meio de sua empresa Al-Junaid, tinha uma ampla gama de interesses comerciais, incluindo investimentos, mineração, transporte, aluguel de carros, ferro e aço no Sudão e fora do país.
Hamitti estava gostando dessa liberdade de ter soldados criados por Omar al Bashir a ponto de esse não conseguir mais controlá-lo. Antes da derrubada do governo Omar o chamou a Cartum para integrar o exército sudanês.
Dagalo atuou anteriormente como vice-presidente do Conselho Militar de Transição após o golpe sudanês de 2019 contra Omar al Bashir. Atuou também na transferência do Conselho Militar de Transição para o Conselho de Soberania de Transição.
O problema encontrado com esse conselho era só um: a declaração constitucional deixava bem claro que Hamitti e os demais membros do Conselho de Soberania de Transição não poderiam ser candidatos nas eleições gerais que esse conselho estava organizando para o ano de 2022.
Dagalo participou do golpe de 2021 no Sudão orquestrado por Abdel Fattah Burhan. Após o golpe se distanciou do país. Em fevereiro de 2023 ele declarou que esse golpe foi um “erro”. Esse tipo de comentário foi feito por causa de um crescente desentendimento entre ele e o chefe do exército Abdel Fattah Burhan.
Em abril de 2023, Dagalo mobilizou o RSF contra o governo de Al-Burhan, alegando capturar locais importantes para o governo, embora Al-Burhan tenha negado isso. Hamitti tem mais de 100.000 soldados no Sudão. Especialistas disseram que tem armas pesadas para conter as forças terrestres do governo e outras que podem abater aviões do exército.
Quem financia a guerra?
Muitas potencias estrangeiras se aproximam do nosso país em busca das nossas riquezas. Os Estados Unidos consideraram o Sudão como apoiador ao terrorismo até 2019, quando Omar al Bashir foi derrubado do poder. Após esse evento eles se mostraram muito interessados nas riquezas que o Sudão possui e acharam que era o momento certo para aproveitar ou manipular os seus líderes, porém ao se aproximarem dos líderes sudaneses encontraram a China, a Rússia, o mundo árabe e alguns países europeus que já tinham boas relações com alguns dos líderes de diferentes forças no país.
Por exemplo a China possui um contrato para a construção de ferrovias e portos estatais. Um grupo de investimento russo, Wagner Group, trabalha no setor de mineração de ouro e também se ofereceu recentemente para construir uma base naval militar perto da saída para o Mar Vermelho.
A grande realidade é que muitas potencias se interessam em explorar as riquezas que se encontram no nosso país e não no seu verdadeiro desenvolvimento. Para tal fim apoiam governos que estão de acordo com essa exploração, mesmo que esse apoio possa causar conflitos internos. Por isso é muito difícil afirmar quem está financiando esses conflitos, pois as mesmas potencias estarão sempre do lado do grupo mais forte.
Esse tipo de estratégia foi usada em muitos outros países africanos como no nosso vizinho Sudão do Sul, na República Democrática do Congo, na República Centro-Africana, Mali e em outros países. É difícil identificar quem apoia os nossos lideres e de onde eles obtêm as suas riquezas, entretanto se ficarmos atentos a alguns sinais e aos interesses que demonstram os personagens estrangeiros podemos ter uma indicação das suas intenções e assim poder despertar as nossas jovens mentes africanas.
O que significa ser presidente na África?
Precisamos saber que ser um presidente, em muitos países africanos, significa ter ampla liberdade para aproveitar dos recursos da nação às custas dos cidadãos mais pobres. Essa exploração dos mais pobres é pior quando interesses estrangeiros encontram um líder faminto por dinheiro e poder junto com seu pequeno grupo de soldados.
Normalmente esses líderes não têm suas famílias no país que governam devido à precariedade da saúde, da segurança, da educação e outros. As suas famílias são mantidas em outros países que podem se encontrar na Ásia, na Europa, na América ou mesmo nas melhores cidades da África. Essa situação não contribui para um espírito patriótico no desenvolvimento de uma nação.
Os recentes combates no Sudão do Sul não estão longe dessa verdade, apenas ouvindo as acusações do general Hamitti contra o presidente interino Abdel Fattah Burhan de que ele quer se tornar um ditador ou quer ficar no poder para sempre.
A guerra é para ter poder e controlar os vastos recursos da nação. Nossos líderes militares temem um novo governo democrático, pois sabem que será feita uma séria prestação de contas da corrupção e das atrocidades cometidas contra a humanidade em diferentes lugares do Sudão e eles serão responsabilizados por muitos desses crimes.

Quais são os efeitos desta guerra no Sudão?
A guerra no Sudão afetou muitas pessoas, especialmente na capital Cartum e em Darfur. Os soldados de Hamitti são mais fortes em batalhas físicas, pois parecem estar se preparando para esta batalha há muito tempo. Alguns desses soldados se encontram à paisana entre os civis e isso dificulta o combate do governo, por isso este recorreu ao uso de ataques aéreos militares o que resultou na destruição massiva de igrejas, prédios comerciais, residências, aeroportos e muitos outras propriedades em Cartum.
O uso de mísseis e tiroteios na cidade causaram a morte de muitas pessoas. Todas essas atrocidades são cometidas por ambos os lados. Por duas semanas muitas pessoas estão presas dentro de casa sem comida, sem eletricidade e sem água, muitas não resistiram e morreram.
Nenhum dos grupos atendeu ao pedido de cessar-fogo. Enquanto isso muitos estrangeiros foram evacuados pelas comunidades internacionais e muitos cidadãos estão fugindo para o Egito, Chade, Sudão do Sul, Etiópia, Eritreia ou se refugiam nos pacíficos subúrbios do Sudão.
Tem havido um apelo constante ao diálogo pacífico e ao cessar-fogo por organizações internacionais e regionais para ambos os lados sudaneses.
Conclusão.
Ser cidadão de um país rico em minerais traz consigo uma difícil decisão, ficar no país e enfrentar forças que são maiores que as nossas ou buscar refúgio fora do país deixando os nossos recursos nas mãos de pessoas que querem somente explora-los ao seu bel prazer.
Essa divisão dos cidadãos de um país é um truque utilizado em muitos países africanos e agora estamos vivendo essa realidade no Sudão. A transformação que desejamos não virá através de conflitos armados, onde tentamos calar o outro com a força, mas através de dialogo no qual podemos resolver as nossas diferenças de maneira pacífica. Não existe uma solução mágica para os nossos problemas, o que podemos fazer é educar a consciência dos jovens para que se tornem capazes de discernir qual futuro querem para o nosso país.
Escrito por Komakech James Kenyi