Saudade de casa!
Eu babo literalmente quando vejo pais e mães cuidando de seus filhos e filhas, andando de mãos dadas, se entregando a brincadeiras saudáveis e se abandonando a manifestações de carinho. O exercício da paternidade e da maternidade é uma experiência bonita demais. Talvez a paternidade biológica seja a coisa de que mais sinto falta como religioso. Alegro-me em ver pais e mães dispostos/as a dar a vida pelos seus filhos/as. É bom quando são tudo de bom e fazem tudo o que é bom para a felicidade da família.
Aqui no Brasil encontrei centenas de famílias pobres, humildes, sofridas que cuidam de seus filhos/as com muito carinho. Até na rua tive a oportunidade de conhecer pais e mães com um laço afetivo sólido com suas famílias. Todo dia me deparo com mães amorosas nas portas de presídios e unidades socioeducativas que, apesar de tudo, nunca pensaram em abandonar seus filhos e filhas. As iniquidades socioeconômicas e a pobreza que delas deriva não são motivos para o desamor, o descuidado com a família e a violência doméstica, até porque conheço muitas famílias ricas que encaram esses dramáticos desafios. Vejo lares pobres de dinheiro, mas ricas de amor.
Ao mesmo tempo, porém, tenho me deparado com situações de negligência e sofrimento ocasionadas pelos próprios pais e mães. Encontro famílias que, no lugar de assegurarem um lar aconchegante, patrocinador de cuidado e proteção, tornam-se ambientes de risco, onde se pratica a violência em todas suas perversas modalidades, e tendo, na maioria dos casos, como “algozes”, os próprios genitores a quem, primeiramente compete a responsabilidade de cuidar e proteger os/as filhos/as.
Não quero criminalizar ninguém. Sei que por detrás da violência tem feridas não cicatrizadas de violências sofridas. Muitos pais e mães são filhos e filhas do abandono, vítimas de todos tipo de exploração por um sistema que privilegia o lucro em detrimento das relações humanas, negligenciados/as pelo poder público que pouco investe no suporte às famílias, mas a violência sofrida no passado, os direitos violados, as dificuldades econômicas, as separações e os muitos outros desafios da vida nunca devem se tornar pretexto para justificar a violência, a negligência e o abandono praticados dentro de casa. Os/as filhos/as não podem se tornar “sacos de pancada” sobre os quais os pais e as mães descontem suas neuras. O pior é quando há genitores que, mesmo sabendo que estão ocasionando sofrimento, o fazem de propósito numa espécie de vingança pela infância sofrida que tiveram, perpetuando um círculo de violência que se transmite de geração em geração.
É missão dos pais e das mães, mais do que um frio dever legal, amarem e protegerem seus filhos/as e fazer de tudo para colocá-los/as a salvo de qualquer tipo de sofrimento, em qualquer circunstância, mesmo quando eles/elas chegam sem serem esperados/as, mesmo quando aprontam e deixam de obedecer, mesmo quando desandam, mesmo quando não correspondem adequadamente às expectativas, mesmo quando tiram a gente do sério, mesmo quando as relações conjugais estão fragilizadas. O cuidado dos pais e das mães para com os/as filhos/as deve ser gratuito e incondicional. Quanto mais eles e elas precisam, mais têm que ser amados/as. Mesmo na hora da correção, prevaleça o amor. O objetivo seja sempre o bem e nunca a humilhação ou o perverso desejo de infligir sofrimento.
Chega, Chega. Chega!
Chega de ver filhos/as chorando pelo mal praticado pelos genitores. Chega de ver crianças largadas num evento realizado na escola ou no projeto social por pais e mães que, mesmo não fazendo nada, nunca têm tempo para a família. Chega de jogar fora o pouco dinheiro disponível em coisas que não prestam no lugar de investir no bem-estar, na saúde, na educação, no lazer da família. Chega de ver casas de acolhimento institucional cheias de crianças e adolescentes que têm pais e mães, mas não podem conviver com eles/as por constituírem “fatores de risco”. Os genitores que vivem situações de sofrimento pessoal e têm dificuldade em exercer seu papel devem procurar ajuda. As instituições públicas e a comunidade devem oferecer todo o apoio necessário para garantir o direito a uma convivência familiar saudável e impregnada de cuidado.
A Sagrada Família de Nazaré constitui um apelo a todos os pais e mães para que assumam de verdade sua vocação ao amor. Os genitores que investem no amor para com seus filhos e filhas, além de contribuírem com o seu desenvolvimento integral, participam ativamente na construção de uma sociedade de paz. Os pais e as mães que organizam seus lares conforme o paradigma do cuidado, têm a garantia de serem amados/as por eles/as para sempre, sobretudo na doença e na velhice.
Nesse Natal, contemplando a Sagrada Família de Nazaré, pedimos a Deus que a paz volte nos lares e reine o amor entre pais e mães, entres genitores e filhos/as. Os pais e as mães aproveitem da oportunidade para pedir perdão aos filhos/as e os/as abracem fortemente renovando seu compromisso a viverem por eles e para eles. Assim façam os/as filhos/as com seus pais e mães. O poder público assuma o compromisso de implantar políticas públicas que promovam as famílias, sobretudo aquelas que encaram dificuldades. Que nenhuma criança fique sem lar; nenhum/a filho/a, nenhum pai e nenhuma mãe doente e idosa fique sem a ternura, os cuidados e a proteção da família. Um/a filho/a que perde o pai e a mãe vira órfão/ã. O esposo ou a esposa que perde o/a companheiro/a é chamado/a de viúvo/a. Mas o pai e a mãe, mesmo quando perdem um filho ou uma filha, continuam sendo pai e mãe. A paternidade e a maternidade têm um atributo que pertence só a Deus: a eternidade. Os pais e as mães são para sempre. Filhos e filhas são para a vida toda. Assim também seja o amor.
(Pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)