
“Se o teu irmão pecar contra ti, vai corrigí-lo…” (Mt 18,15-20)
Como sempre, Jesus é de um realismo surpreendente. Sem meios termos, alerta que não existe a comunidade dos/as perfeitos/as. As falhas fazem parte de sua caminhada. É possível que um/a discípulo/a cometa erros, traia seu chamado, escorregue, se deixe seduzir pelo adversário. Somos uma comunidade de pecadores/as perdoados/as que continuam caminhando em direção ao objetivo, caindo e se levantando, contando sempre com a misericórdia de Deus. Por causa de nossas imperfeições precisamos de nos corrigirmos reciprocamente. Não é fácil aceitar a correção, mesmo quando é feita de maneira delicada e respeitosa. O evangelista Mateus, no entanto, tem consciência de que, justamente por não haver comunidade de perfeitos, a correção é necessária. Corrigir e admoestar são ações que colocam em xeque nossa capacidade de amar: somente quem ama desinteressadamente e é livre de verdade, sem depender da opinião e da aprovação alheia, tem a coragem de ajudar o outro a questionar sua própria vida e crescer.
A correção é uma dimensão importante do processo educativo e é uma responsabilidade do/a cristão/ã. O próprio Jesus corrige os discípulos toda vez que pensam e fazem alguma coisa errada. “As correções – dizia Santo Ambrósio – fazem bem e são de maior proveito que uma amizade muda. Se o/a amigo/a se sentir ofendido/a, corrige-o/a mesmo assim; insiste sem medo, mesmo que o sabor amargo da correção o/a desgoste. Está escrito no livro dos Provérbios que as feridas provocadas por um amigo são mais toleráveis que os beijos dos aduladores (Pr 27,6). Corrigir o/a outro/a é expressão de amizade e de franqueza. É traço que distingue o/a adulador/a do/a amigo/a verdadeiro/a. Deixar-se corrigir, por sua vez, é sinal de maturidade e condição importante para o próprio crescimento”. Quem prefere silenciar e omitir a correção – escrevia santo Agostinho – é pior de quem está precisando de correção por ter errado.
Tudo isso, porém, tem sentido se o ato de corrigir brota do Amor, seja como motivação seja como modalidade. Corrige-se por amor e com amor. Na lógica do amor é inadmissível a correção violenta, humilhante, constrangedora e destruidora da dignidade da pessoa que erra. Não tem matiz cristã a correção que tem origem no desejo de vingança, na irritação por uma ofensa recebida, nem na soberba ou vaidade feridas por culpas alheias. Só o amor pode ser o genuíno motivo para corrigir o próximo. Dizia Santo Agostinho que “devemos corrigir com amor; não com desejo de causar dano, mas com a carinhosa intenção de conseguir a emenda. Se assim procedermos, cumpriremos muito bem o preceito: Se o teu irmão pecar contra ti, repreende-o entre ti e ele só. Por que o corriges? Por que ficaste aborrecido com a ofensa que te fez? Deus não o permita. Se o fazes por amor-próprio, nada fazes. Se o que te leva a fazê-lo é o amor, ages de modo sublime”. Lembremo-nos que somos humanos. Todos/as podemos errar. A consciência das nossas fragilidades nos ajude a ter compreensão na hora da correção e da repreensão.
O que fazer se o/a outro/a não aceita a correção? Jesus nos pede de não desistir fácil, mas de pedir ajuda, de envolver a comunidade, de trabalhar em rede, em suma, de fazer de tudo para que o/a outro/a entenda, acolha a emenda e reveja seu comportamento. Se mesmo assim a correção não surtir efeito, o Mestre pede que tratemos quem erra como um pagão ou um pecador público. Cuidado com a interpretação deste dito de Jesus. Não se trata de uma autorização à rejeição e ao desprezo de quem erra, mas de um apelo a um maior investimento de cuidado e misericórdia. Jesus nos pede de tratar quem erra como Ele trata o pagão e o pecador, isto é, com excedência de amor. Não esqueçamos que Jesus, em todo seu discurso, faz questão de tratar quem erra sempre como “irmão”. Este é o segredo para não desistir: considerar o/a outro/a como um irmão, uma irmã… porque se ele/a é seu irmão e sua irmã e não um estranho… você fará de tudo para recuperá-lo/a. Exatamente, tudo! Deus nos conceda o dom da caridade e da paciência na hora de corrigir e da humildade na hora de sermos corrigidos/as.
(pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)