Se queres, tens o poder de curar-me
“Se queres, tens o poder de curar-me”. Jesus, cheio de compaixão, estendeu a mão, tocou nele e disse: “Eu quero, fica curado!” (Mc 1,40-45)
Era já o final da tarde quando o corpo de JK chegou ao cemitério. Tinha só 15 anos, enésima vítima da violência que ceifa vidas precocemente. Veio direto do Instituto de Medicina Legal. Não houve velório. A mãe não quis. Foi um sufoco achar vaga no cemitério. Para pobre não tem lugar nem quando morre. Foi aberta uma cova provisória à espera de uma vaga. Ao todo havia seis pessoas contando comigo. Antes de descer o caixão na sepultura fiz a oração de encomendação.
Na hora da oração do Pai Nosso, a mãe me parou. “Não consigo, padre!”, me disse com o fio de voz que ainda lhe sobrava. “O dia todo ouvi dizer que tenho que me conformar e aceitar a vontade de Deus. Não posso acreditar que Deus quer isso, pois se Ele pensa assim me recuso a acreditar nele. Afinal:
O que Deus quer quando dizemos ‘seja feita a vossa vontade’?
A pergunta é existencial, pois dela depende a nossa sobrevivência. Se não houver clareza a respeito da vontade de Deus e, sobretudo, se houver uma interpretação manipulada e desviante dela, arriscamos de assinar uma sentença de morte. O único que pode responder a esse questionamento é o próprio Jesus que nos ensinou a rezar dessa forma. Uma das respostas vem a partir da provocação do leproso: “Se tu queres, tens o poder de curar-me”.
Desde quando contraiu a doença o leproso aprendeu dos ministros da religião oficial que a vontade de Deus era sua segregação por ser impuro. Considerado uma imundície, devia manter-se distante de todo mundo, inclusive do próprio Deus. Mas ele ousa desafiar essa crença. Quebra as regras, se aproxima de Jesus e o coloca na parede questionando-o a respeito da doutrina tradicional sobre a vontade de Deus. “Se tu queres” é a senha que dá acesso aos segredos do coração de Deus; é a imploração de quem está sedento de saber o que Ele pensa e quer de verdade.
Jesus responde de imediato com uma reação física. Ao contrário do nojo dos sacerdotes e dos fiéis tradicionais, sente compaixão. Já disse em outras oportunidades que não se trata de um simples sentimento, mas de um arranhão no profundo da alma, uma ferida que se abre nas entranhas. Dá dor nele ouvir e constatar o tamanho das crueldades atribuídas ao Pai. Depois estende a mão e o toca indo de contra à toda lei discriminatória e todas as medidas prudenciais. Reverte tudo o que a religião oficial ensinava.
O leproso pode chegar a Deus antes de ficar curado
Os gestos chegam antes das palavras. A cura começa pela aproximação, pela acolhida em vez da exclusão, pelas carícias no lugar das reprimendas. Depois vem a Palavra, “a pedra angular sobre a qual se fixa a nova imagem de Deus” Ermes Ronchi): “Eu quero: fica curado”. Eis o que Deus quer. Deus se importa com ele e com todas as pessoas que sofrem. Padece com ele. Envolve-se na sua dor, sobretudo aquela causada pelo desprezo e a exclusão.
Deus é bem absoluto. Deseja o bem de todos seus filhos e filhas, independentemente de situação em que se encontram. Aos seus olhos ninguém é desprezado. Todas as pessoas podem chegar a Ele com suas bagagens de sofrimento físicos, psicológicos, morais… e encontrarão nele o abraço do Pai e o colo da Mãe. Não precisa estar em dia com suas “obrigações” para se aproximar dele. Ele não tem nojo de estender a mão e tocar as nossas misérias. Deseja ardentemente a nossa felicidade. Ele quer que todas e todos tenham vida em abundância. Essa é a indiscutível vontade de Deus.
Matar ou morrer violentamente não é vontade de Deus. Garantir, promover e defender a vida com dignidade é sua vontade. Quem vai fazer isso? Esta é outra pergunta que não se cala. A resposta, ainda uma vez, vem de Jesus. Deus se serve de nós para que sua vontade aconteça.
Pe. Xavier Paolillo