
“Senhor, aumenta a nossa fé!”
A súplica que os apóstolos dirigem a Jesus faz sentido. Na viagem rumo a Jerusalém, o Mestre lista uma série de condições para quem pretende segui-lo, uma mais exigente do que a outra. A última é dura de engolir. “Se teu irmão pecar sete vezes no dia contra ti e sete vezes vier procurar-te, dizendo: ‘Estou arrependido’, lhe perdoarás” (Lc 17,4). Não é tarefa fácil. O instinto do ser humano é vingar-se ou, pelo menos, tomar distância de quem lhe causa danos. Essa lógica, no entanto, não é de Deus que é amor, somente amor. Quem decide viver como seu filho assume a responsabilidade de mostrar o Seu rosto misericordioso. O perdão não é uma grandeza proporcional. Se fosse assim, seria um mero cálculo, mas é uma forma desmedida de amar que tem tudo a ver com o amor exagerado e excedente de Deus. Não está condicionado à natureza e ao tamanho da culpa, mas à necessidade do pecador que conta mais do que o pecado que comete. É assim que Deus age. Portanto, não perdoar é um contratestemunho. É dar mau exemplo aos outros. É uma incoerência com o perdão que recebemos do Pai o tempo todo. É o pior escândalo cometido pelos seus discípulos. “Ai daquele que produz escândalos! – diz Jesus – Seria melhor para ele que lhe amarrassem uma pedra de moinho no pescoço e o jogassem no mar do que escandalizar um desses pequeninos. Prestai atenção…”. O Mestre nos convida a cuidar de nossa vida e prezar pelo nosso testemunho. Não se trata simplesmente de não pecar para preservar nossa reputação, mas de cuidar dos outros, das pessoas que nos são confiadas diretamente, como também de todas aquelas que encontramos em nosso caminho e que precisam ver em nós a prova concreta da fé que professamos. É uma falha grave, na verdade, muito grave quando por causa dos nossos pecados, fragilidades e incoerências, os outros desistem de crer em Deus. Somos “mestres” em dar conselhos aos outros, “doutores em moral” quando se trata de julgá-los e “implacáveis legalistas” na hora de condená-los, mas excelentes maquiadores das nossas práticas. Disfarçamo-nos tão bem que conseguimos “vender gato por lebre”. A mentira, porém, tem perna curta. A máscara cai e a verdade aflora, desmascarando nossa incoerência. Portanto, antes de “cuidar” da vida dos outros e pretendê-la mudar com nossas lições de moral, é bom dar uma sondada em nós mesmos e cuidar do nosso testemunho. A única lição de moral que tem chance de pegar é a própria conversão. O melhor sermão é o bom exemplo. O argumento que convence é a coerência. O nosso testemunho é a única ferramenta para tornar visíveis os valores em que acreditamos. O nosso exemplo é decisivo no caminho de fé de quem têm os olhos apontados sobre nós, sobretudo dos mais frágeis. O mundo precisa ver que sabemos amar e perdoar; que, apesar de nossas fragilidades, buscamos viver conforme os valores do Evangelho; que conseguimos reconhecer nossos erros e pedir perdão; que confiamos em Deus e junto com Ele enfrentamos as tempestades da vida. Não precisa “se amostrar”, como diz o povo, nem tampouco falar demais e realizar grandes obras. Basta amar, servir, compartilhar, acolher e perdoar na simplicidade do cotidiano.
Os apóstolos têm medo de não conseguir. Reconhecem que a sua fé é pequena demais para realizar tamanha tarefa. Têm vontade de continuar seguindo o Mestre, mas têm medo de não conseguir cumprir suas exigências. Por isso pedem ajuda: “Senhor, aumenta-nos a fé!”. Jesus não pode atender à oração deles. A fé não é um dom que desce do céu, mas é resposta do ser humano à proposta que Deus lhe dirige. É uma questão de amor. Não tem como interferir nela para deixar o crente totalmente livre de tomar sua própria decisão. Fé é adesão a Jesus de Nazaré. É tomar a firme decisão de assumir sua proposta como projeto de vida. É muito mais do que a religião. Não pode ser reduzida à simples aceitação teórica de algumas verdades nem tampouco pode ser medida pela participação às práticas exteriores da religiosidade sem nenhuma incidência na vida do dia a dia. Estas podem resistir por muito tempo, mesmo não tendo mais nenhum rastro de fé. Não basta carregar uma cruz pendurada no pescoço para dizer que uma pessoa tem fé. É muito mais do que isso. É configuração com Cristo, como diz São Paulo: “Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20). Não se trata de uma adesão irracional e sentimental, mas existencial. Jesus pede uma adesão que envolve todo o coração, toda a alma, todas as forças e toda a mente. É uma escolha consciente de quem lê o Evangelho, reflete sobre ele e chega à conclusão de que Jesus tem razão no que diz a respeito de Deus e do ser humano. Sua mensagem é crível. Seu jeito de ser é o que nos garante a vida plena e a felicidade que tanto desejamos. Merece a nossa adesão. É aqui que a fé acontece. Ela se expressa quando nos enamoramos dele e de sua proposta e decidimos entregar-lhe a nossa vida. Como acontece em todos os namoros, o enamoramento pode aumentar, diminuir e até desaparecer. Tudo isso depende de nós, de quanto estamos dispostos a investir n’Ele. Perdoar como Ele perdoa, é a prova mais contundente de que nossa fé, por quanto pequena seja, é forte suficientemente para arrancar os males mais enraizados dentro de nosso coração.
(pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)