
Subir no “carro” do/a outro/a (Atti, 8,26-40)
Quando eu era mais novo, muitas vezes viajei pedindo carona. Não tinha nenhuma necessidade, mas, apenas, o desejo de sentir o gosto da aventura. O visual era convencional: a mochila nos ombros, uma placa pendurada no pescoço com o destino e o polegar esticado em direção ao asfalto.
É esta a imagem do “caroneiro” que veio logo à minha mente ao ler o encontro, entre Felipe e o eunuco etíope, ministro de Candace, rainha de Etiópia e administrador geral de seu tesouro, no caminho que desce de Jerusalém a Gaza (At 8,26-40). A cena é a ícone de uma Igreja que deve desembarcar de sua arrogância institucional e sair para a rua para se aproximar de qualquer pessoa. “Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada com ser o centro, e que acaba presa num emaranhado de obsessões e procedimentos. Se alguma coisa nos deve santamente inquietar e preocupar a nossa consciência é que haja tantos irmãos nossos que vivem sem a força, a luz e a consolação da amizade com Jesus Cristo, sem uma comunidade de fé que os acolha, sem um horizonte de sentido e de vida. Mais do que o temor de falhar, espero que nos mova o medo de nos encerrarmos nas estruturas que nos dão uma falsa proteção, nas normas que nos transformam em juízes implacáveis, nos hábitos em que nos sentimos tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta e Jesus repete-nos sem cessar: ‘Dai-lhes vós mesmos de comer’ (Mc 6, 37)” (EG 49).” (Papa Francisco). Já não se trata de uma Igreja que espera do alto da sua “autoridade moral” por aqueles/as que querem embarcar nas suas estruturas, liberando o acesso apenas àqueles/as que estão em conformidade com a doutrina, as normas canónicas e os princípios morais, mas de uma comunidade missionária que simplesmente sai ao encontro das pessoas, sobretudo de quem anda sem rumo, e espera à beira da estrada a oportunidade de pedir para embarcar na vida delas para caminhar juntos/as, escutá-las, compreendê-las e partilhar a experiência de Deus, não só com palavras, mas sobretudo através do testemunho do acolhimento e do amor.
Este método missionário não é novidade. Ele tem a digital de Jesus. O Mestre não construiu igrejas. Fez da rua a sua “catedral” preferida. Peregrino incansável, vivia saindo ao encontro dos outros/as. Onde havia pessoas, especialmente marginalizadas, Ele estava presente não só para pregar, mas para ouvir, consolar, iluminar, acolher, encorajar, perdoar e libertar. Ele era alérgico a instituições frias e burocráticas, emaranhadas em questões jurídicas no lugar de esbanjar humanidade. Não exalava o perfume de incenso, mas “o cheiro de ovelha”. Uma manjedoura em um estábulo, um refúgio para pastores, um poço, uma praça, uma estrada perigosa como a que levava de Jerusalém a Jericó, as ruas empoeiradas da Galileia, o caminho da fuga em direção de Emaús e até mesmo a via da cruz tornaram-se terra santa, onde aconteceu o encontro com a humanidade sem hora marcada. Sonhava com comunidades de amor, sem fronteiras, abertas a acolher a todos/as. Afinal, apenas a experiência de ser amados/as é o estopim que detona o processo de conversão.
Este método missionário de Jesus consolidou-se nas primeiras comunidades cristãs. Os Atos dos Apóstolos constituem o diário de bordo dos “missionários/as de rua”. Emblemática é a experiência do diácono Filipe, o homem que sabe ir além, derruba barreiras, ultrapassa fronteiras e abre novos horizontes. Pressionado pela perseguição que eclodiu em Jerusalém contra a comunidade cristã, atravessou a primeira fronteira e foi a Samaria para anunciar o Evangelho aos “hereges” (Act 8, 1-25). Desse jeito, cai a barreira religiosa. Depois, impelido pela voz do Senhor, ele se levanta, deixa para trás os territórios conhecidos e parte para o deserto, não para evangelizar grandes multidões, mas para encontrar uma única pessoa, um africano originário da Etiópia, que retornava a bordo de seu carro de uma peregrinação a Jerusalém lendo a Bíblia em voz alta sem entender nada (Atos 8:26-40). As barreiras étnicas e culturais começam a se desintegrarem em nome da abertura universal. Finalmente, aproximando-se de um eunuco e oferecendo-lhe o dom do batismo, ele destrói todas as prescrições legais que geram discriminação. É a abolição das proibições de acesso a quem não ‘’está em dia” com os requisitos necessários para “entrar” para dar espaço ao amor e à acolhida. O Evangelho é para todos/as. Na comunidade de Jesus a entrada é livre e gratuita.
O texto dos Atos diz que o Espírito pressiona Filipe mais uma vez e lhe ordena: “Aproxima-te desse carro e acompanha-o”. (8:29). Não espere o eunuco tomar a iniciativa. Aborde-o. Ouça-o atentamente. Preste atenção às suas necessidades. Acolha suas dúvidas com respeito. Sacie sua sede de Deus. Suba a bordo de seu carro e sente-se ao seu lado. Explique as Escrituras não com o tom severo do pregador que usa a Palavra para dar lições morais aos outros, mas como um companheiro de viagem que alegremente compartilha sua experiência de fé. Lembre-se de que o conteúdo do anúncio não é uma doutrina fria, mas o encontro pessoal com Jesus de Nazaré, não um Jesus qualquer, mas com o servo sofredor, o crucificado e o ressuscitado, que vem para servir e dar a sua vida para que tod@s, sem distinção, a tenham em abundância.
Esta é a melhor maneira de anunciar o Evangelho. Filipe parte do problema real daquele homem escravo e castrado e propõe-lhe a história de um Deus cujo amor não conhece fronteiras, dando-lhe assim a oportunidade de conhecer o projeto de vida de Jesus que pode tornar a sua vida fecunda e livre. Aceitar de fazer de si mesmo um dom gratuito aos/às outros/às é a única condição para receber o Batismo. Trata-se uma grande reviravolta na vida daquele ser humano. Basta ler o que dizia a lei em vigor: «Quem tiver o seu membro ferido ou mutilado não entrará na comunidade do Senhor” (Dt 23, 2).
Filipe não só lhe abre o acesso à Vida e lhe escancara as portas da Comunidade através do batismo, mas mergulha na água com ele. As diferenças não podem ser motivo de separação e exclusão. Somos todos/as filhos/as de Deus, irmãos e irmãs entre nós, livres de todo tipo de escravidão e a salvo de todas as formas de discriminação. Ninguém é melhor do que os outros. Estamos todos imersos na mesma água, lutando com a mesma história de pecado da qual podemos sair juntos/as para uma nova vida.
O método missionário de Filipe, em suma, dá espaço ao encontro e à atenção com as pessoas. É uma bela provocação para aqueles/as que insistem em construir planos pastorais que dão demasiada importância a estruturas e organizações que, no final, não servem para o anúncio do Evangelho, mas para alimentar a autoreferencialidade dos/as organizadores/as e executores/as.
(pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)