Tomé: um Exemplo de Fé para quem está pensando em desistir
Coitado de Tomé. No dia de sua festa, é lembrado justamente com a página do Evangelho onde se fala de sua incredulidade (Jo 20,24-29). É a sabedoria da Igreja que, maternalmente, nos mostra que os/as santos não são super-heróis, seres dotados de poderes mágicos cuja confiança precisamos ganhar para conseguir o milagre que desejamos, mas homens e mulheres comuns que, como nós, se alegraram e sofreram, amaram e traíram, caíram e se levantaram, erraram e acertaram, acreditaram e duvidaram, foram embora decepcionados e voltaram arrependidos, sem nunca perderem de vista Deus e seu amor misericordioso. Sustentadas pela Sua Graça, perseveraram na fé, na esperança e na caridade, por isso achamos que agora estão na plenitude da glória de Deus. É por esta “normalidade” e “humanidade” que nós consideramos os/as santos/as nossos irmãos e irmãs de caminhada.
Tomé é Dídimo, nosso irmão gêmeo. Ele é parecido conosco, ou melhor, nós parecemos como ele. Tomé não é incrédulo. Está decepcionado. Durante sua vida, acreditou demais no Mestre, estava disposto a dar a vida por ele. Sabia que Jesus era o Caminho e o seguiria a qualquer custa. Mas aí vem a decepção, o escândalo da cruz. Tudo parece dar errado e a alegria de segui-lo foi desaparecendo aos poucos deixando espaço ao cansaço, ao medo, à covardia, à frustração e ao choro. Entendo Tomé e compreendo sua situação. Quantas vezes eu também me apaixono por grandes ideais, acaricio sonhos, me deixo levar pelo entusiasmo e transportar por impulsos de generosidade, contudo. nem sempre dá certo. A vida me surpreende com suas dificuldades e decepções. As derrotas me fazem perder altitude e afundar na sensação de impotência e frustração. Os resultados escassos contradizem o tamanho do investimento. A tentação de sair, largar tudo e voltar à “vida normal” é muito forte. Penso, por exemplo, na minha decepção toda vez que “perco” um dos adolescentes e jovens que procuro ajudar a sair das drogas e das garras da vida do crime; penso nos esforços desumanos de tantas pessoas que lutam por justiça e paz e só encontram perseguição; penso nos escândalos que emporcalham a Igreja; penso na situação atual do Brasil, sobretudo na incapacidade de boa parte da população de enxergar com lucidez e espírito crítico o que está acontecendo; penso nos militantes que lutam contra as organizações criminosas e são obrigadas a enfrentar a corrupção que emporcalha todas as instituições, a dor da infâmia e o muro do silêncio; penso nos sonhos despedaçados de pessoas que, de repente, ficam pregadas a uma cama por um doença inesperada; penso no sofrimento de pais honestos e bem intencionados, que fazem de tudo para educar seus filhos de acordo com os ensinamentos do Evangelho e depois os perdem para as drogas e a violência. As decepções da vida testam nossa fé. A dor, acima de tudo, ameaça nossa capacidade de crer. Tomé é o santo padroeiro dos que experimentam a derrota, dos sonhadores decepcionados, dos que se sentem fracassados e impotentes diante dos dramas da vida. Tomé é meu, o nosso padroeiro, a quem recorremos quando somos atacados pelo desejo de largar tudo, pois não vale mais a pena continuar lutando.
O problema de Tomé não é a falta de fé e de amor em Jesus, mas a perca progressiva da força e da coragem para continuar acreditando. Desta vez ele quer ver sinais concretos. As palavras de seus amigos não são suficientes para convencê-lo. Quer colocar o dedo. E Jesus, com sua paciência divina, o atende. Insiste mais uma vez ou melhor quantas vezes for necessário. Ele retorna oito dias depois. Entra sem fazer barulho. Põe-se no centro da comunidade, donde nunca deveria sair. Não repreende ninguém, mas deseja paz, o presente mais aguardado por aqueles/as que vivem angustiados/as e frustrados/as. Ele se dirige precisamente a Tomé, porque Deus é assim, “está perto do que é pequeno, ele ama o que está quebrado. Quando os homens dizem: “perdido”, ele diz: “encontrado”; quando dizem “condenado”, ele diz: “salvo”; quando eles dizem: “abjeto”, Deus exclama: “bem-aventurado!” (Bonhoeffer). Como fizera oito dias antes, mostra-lhe os sinais da Cruz. O Cristo glorioso que tanto é exaltado hoje em dia por quem desvia propositalmente do caminho do Calvário para não se confrontar com o Crucificado espoliado, desarmado, chagado e traspassado por amor, guarda intactos os sinais da Paixão. Jesus está realmente ressuscitado, mas suas feridas permanecem abertas. Não como mágoas que prendem a vida a um triste passado que não se consegue esquecer, fontes de permanente sofrimento, de ressentimento e desejo de vingança, mas como provas contundentes de Seu amor eterno por nós. Bem gostaríamos que a Ressurreição cancelasse a Paixão, fechasse os furos nas mãos e nos pés e cicatrizasse as feridas. Contudo, elas permanecem escancaradas e ostentadas, pois constituem a narração do amor de Jesus gravado em Sua carne com o alfabeto das feridas, inapagáveis como o Seu amor (Ermes Ronchi). Suas feridas são uma fonte inesgotável de Graça, da qual todos podem atingir misericórdia e amor. Jesus as mostra a Tomé e o convida a colocar o dedo nelas como se lhe dissesse: “Tomé, eu também sofri, toque aqui, você não é o único a sofrer…”. Jesus não apresenta evidências científicas, milagres ou promessas de uma vida sem problemas, mas o dom de uma presença solidária. Deus não salva “da” tempestade, mas na tempestade. Não protege contra a dor, mas na dor. Ele não salva o Filho da cruz, mas na cruz” (Bonhoeffer). Jesus simplesmente estende sua mão. Ele responde à decepção de Tomé com o argumento mais contundente: seu amor ilimitado e sua solidariedade. Seu dom é o Evangelho da Paixão que é Amor total. Esta é a fonte para continuar acreditando e esperando apesar de tudo. Por quanto soframos pelas nossas decepções e frustrações, ainda estamos bem longe do sofrimento que Jesus passou para manifestar seu amor para conosco. Para Tomé, o argumento do amor é o suficiente para continuar. Ele não precisa mais tocar. Basta-lhe ouvir a voz de Jesus. Encontra em Sua Palavra e em Seu testemunho as razões para continuar acreditando. A voz do Mestre é suficiente para perseverar na caminhada. É a sintonia com o Evangelho da paixão que sustenta e fortalece a fé na Ressurreição. O amor é a força que nos faz levantar, nos mantem em pé e nos faz continuar a caminhada pelas estradas do mundo para anunciar e construir o mundo novo.
“Meu Senhor e meu Deus!’, exclama Tomé diante do Ressuscitado. Até que enfim, descobre que o Crucificado, que tanta decepção lhe havia provocado, é o irmão gêmeo que tanto havia procurado. Como acontece com todos os gêmeos que se separam dos irmãos, Tomé reencontra em Jesus o irmão do coração que pode garantir-lhe a realização e plenitude de sua vida. A partir daquele momento decide de não se separar mais dele. A imitação do Mestre, ele opta por ficar na Sua caminhada custe o que custar. A quem, como aconteceu com Jesus, lhe sugere de descer da cruz e desistir, ele, responde como seu irmão gêmeo: “Eu fico!”. Para esse reencontro acontecer, decisivo foi o testemunho da comunidade. Foi graças ao anúncio de seus irmãos que Tomé voltou para casa onde Jesus o aguardava pacientemente.
(Padre Xavier Paolillo, missionário comboniano)