Tratados/as como inimigos/as por causa do Evangelho
“Padre, a gente percebe que o senhor tem muitos inimigos!”, repetem constantemente os adolescentes privados de liberdade que visito em unidades socioeducativas. “Não! – costumo responder -. Eu não tenho inimigos. Talvez sejam os outros que não gostem de mim e me considerem inimigo!”. Na minha vida, sobretudo na minha trajetória pastoral, tenho enfrentado muitos conflitos e encontrado pessoas que tem me hostilizado, inclusive com ameaças de morte. Quando morava no Espírito Santo, andei por quase dois anos com escolta policial e depois foi inserido no Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos ameaçados de morte até 2013, quando pedi desligamento por ocasião da minha transferência para a Paraíba. Confesso que não tem sido fácil. Quem milita nas pastorais e nos movimentos sociais sabe do que estou falando. Por quanto se tente evitá-lo, o conflito vem junto com o pão de cada dia. Há pontos de vista e práticas que são inconciliáveis. O diálogo torna-se difícil e, às vezes, impossível, sobretudo quando estão em jogo a vida, a paz, a liberdade, a verdade, a justiça e a dignidade humana. Não dá para compactuar com visões de mundo diametralmente opostas aos valores do Evangelho. Nestes casos o confronto se faz necessário. Até Jesus teve que encará-lo em várias oportunidades. Numa delas fez um alerta aparentemente contraditório com seu estilo de vida não violento: “Julgais que vim trazer paz à terra? Não, digo-vos, mas a divisão” (Lc 12,31). O Evangelho tira o sossego. Obriga a descer do muro e a tomar posição. Quem o escolhe como projeto de vida é muito provável que seja hostilizado. Jesus avisou seus discípulos: “Sereis odiados de todos por causa de meu nome, mas aquele que perseverar até o fim será salvo” (Mt 10,22).
Não se rata de partir para a agressão. A violência é inaceitável. O conflito deve ser vivido evangelicamente, com amor, sem dar espaço a posturas rancorosas, agressivas e violentas. Papa Francisco fala de “ternura combativa”. Os opositores e até aqueles que nos consideram inimigos devem ser evangelicamente amados. Na base do conflito não pode haver o desejo de destruição do/a outro/a, mas a preocupação com ele/a. O desejo de alertá-lo/a a respeito da sua prática que o conduz no caminho de destruição de si mesmo e da humanidade. O agente de Pastoral não é do partido do contra ou da “intriga da oposição”, mas alguém que, tendo encontrado o Deus vivo e verdadeiro no seguimento de Jesus Cristo, assume a Boa Nova do Reino e a anuncia na sua totalidade, sem facilitações e “promoções especiais”, mesmo sabendo que ela vai acabar incomodando todos aqueles projetos construídos segundo uma lógica que não pertence ao Deus de Jesus Cristo. O conflito, assim vivido, é um ato de evangelização.
Tem uns, porém, que não gostam de conflito Não querem “ter inimigos” em nome do sossego. Preferem não se expor para não se arriscar. Agem diplomaticamente para conseguir se dar bem com todo mundo e poder contar com tudo mundo caso haja necessidade. Vendem como paz evangélica, o equilibrismo da covardia e da omissão. Traem o Evangelho para preservar seus interesses.
O conflito faz bem. Purifica e fortalece a nossa fé. Obriga-nos a buscar a coerência com o Evangelho. Quem segue Jesus, encara o conflito e está disposto a pagar de pessoa. Não se trata de ir à procura do martírio. Não nascemos para morrer, mas para viver. A nossa missão é derrotar a cultura da morte. Mas precisamos estar prontos/as a encarar a perseguição pelo Reino. No conflito a cruz é uma realidade provisória. A palavra final e definitiva é a Ressurreição que pode ser experimentada ainda hoje mantendo-se em pé no meio das tribulações para anunciar o Evangelho com coragem e ousadia como os/as eleitos/as da visão do Cordeiro. “Quem poderá permanecer de pé’? Aqueles que alvejaram suas roupas no sangue do Cordeiro.”(Ap.14)
Não é fácil permanecer fiéis no meio da tribulação e perseguição, inclusive dentro da própria casa, comunidade e instituição. Precisamos da ajuda de Deus. Gosto muito da oração do dia que estamos rezando na Missa nesta semana: “Senhor, força daqueles que esperam em vós, sede favorável ao nosso apelo e, como nada podemos em nossa fraqueza, dai-nos sempre o socorro da vossa graça, para que possamos agir conforme vossa vontade, seguindo os vossos mandamentos”, custe o que custar.
(pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)