
“Tu, ao contrário…”
É a palavra que mais aparece ao longo do Discurso da Montanha. É uma conjunção que faz a diferença. Não se trata de ser do contra e de fazer tudo o contrário pelo simples gosto de contestar e chamar a atenção, mas assumir um estilo de vida alternativo que tem como referência o Evangelho. O Deus que Jesus anuncia é o Deus do contrário. Faz questão de ser Outro, sobretudo quando o ser humano quer moldá-lo a sua imagem e semelhança, atribuindo-lhe pensamentos e comportamentos típicos da condição humana, inclusive os mais baixos e perversos. O profeta Oseias retrata muito bem a alteridade de Deus. Apesar de estar chateado pela infidelidade de Seu povo, Ele decide de não dar curso ao ardor de sua ira, porque é Deus e não um homem. É o Santo. Ao contrário dos seres humanos, não gosta de se vingar e destruir (Os 11,9). O Deus de Jesus faz tudo o contrário daquilo que é considerado “normal” e “convencional”. Nós quebramos a Aliança, mas Deus, em vez de nos abandonar, cria conosco um laço de amizade, tão estreito e forte que nada poderá rompê-lo (Liturgia). Ao contrário das divindades pagãs que preferem ficar no Olímpio e manter distância da humanidade, se espolia de suas prerrogativas divinas e se faz homem. Larga o sossego do céu e se imerge nos conflitos e nas misérias da terra. De rico se faz pobre. Mesmo sendo o todo-poderoso se faz frágil e pequeno como uma criança. É o Deus do outro lado. Desdenha as alianças com os poderosos e fica ao lado dos pobres. Ao mundo que olha só para o próprio umbigo, contrapõe a proximidade do samaritano. No lugar de premiar quem cumpre rigorosamente a Lei, elogia quem a descumpre quando atenta contra a dignidade humana e ameaça a vida. Ao contrário dos sacerdotes que pedem sacrifícios, ele exige misericórdia. Em vez de julgar e condenar, ama até as últimas consequências. Deixa o convívio com os justos para ir atrás dos pecadores. No lugar de escolher como discípulos os “melhores da sala” e os mais preparados, chama pescadores e cobradores de impostos cheios de limitações e contradições. É o Pai que não nos paga de acordo com as nossas faltas, não nos trata de acordo com os nossos pecados. É o Deus que, mesmo tendo o poder de acabar com todos os seus adversários e descer da cruz para salvar a própria pele, fica pendurado nela por amor de nós.
“Tu, ao contrário…” é um convite a mostrar a beleza desta vida, a riqueza da “diferença” cristã, um estilo de vida segundo o qual, sobretudo nas relações, somos chamados a expressar as dimensões da gratuidade, da fidelidade, do acolhimento, da solidariedade, da compaixão, da misericórdia e do perdão recíproco, dimensões próprias do Deus que nos foi revelado por Jesus, cuja vida carrega o peso de uma existência doada por amor (pe. Antônio Savone). O mundo não gosta disso. Gosta de ostentação. Transforma tudo em espetáculo. Quem segue a sua lógica, busca obsessivamente o reconhecimento, a gratidão, o elogio e a recompensa. Dá a esmola para “se amostrar”. Ora em praça pública para ser visto. Desfigura o rosto quando jejua para que os homens percebam o sacrifício que está fazendo. É escravo da self. Coloca-se sempre em primeiro plano. Desempenha um papel atribuído por outros ou, pelo menos, que agrada aos outros. A sua vida se reduz à sua função que desempenha na melhor maneira possível não para prestar um bom serviço aos outros, mas para manter seu status. Perde o contato com sua face verdadeira e se torna a máscara que os outros querem ver.
“Tu ao contrário…” é um convite a sair da mesmice e da mediocridade, a resistir a toda tentativa de homologação e enquadramento. É um chamado à verdade e à essencialidade. É a oportunidade de ser e fazer a diferença. É um apelo a buscar a intimidade do quarto, o segredo da porta fechada, a moderação do tom da voz, a sobriedade das palavras, o silêncio da escuta e o olhar bondoso e misericordioso do Pai que vê no segredo. Sem desprezar os outros olhares, este é o que vale de verdade. Basta-nos ser vistos por Deus sem medo de nos encontrar com nossa verdade, pois afinal estamos diante da misericórdia em pessoa. Francisco de Assis dizia que o ser humano vale o que vale diante de Deus e não mais. O reconhecimento alheio é bem-vindo, mas se não vier não faz falta, pois só Deus basta.
(pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)