“Tu és meu Filho amado, em ti ponho o meu agrado.” (Mt 3,13-17)
Com o batismo nas margens do Jordão, Jesus inaugura o mundo novo, cujo principal paradigma é o cumprimento da justiça. “Deixa por agora, pois convém cumpramos a justiça completa” (Mt 3,15), responde a João que resiste a batizá-lo. Justiça é estar na justa relação com Deus e com os outros, filial com o Pai e fraterna com a terra e a humanidade. Singular, no entanto, será a maneira como Ele cumprirá a sua missão: não se imporá pelo grito, mas deixará falar seu testemunho de vida. Não fará uso da violência, não quebrará a cana rachada nem apagará o pavio que ainda fumega, mas será mite e humilde de coração. Abrirá os olhos dos cegos. Tirará os cativos da prisão. Livrará do cárcere os que vivem nas trevas (Is 42,1-7). Será solidário com todo mundo, sobretudo com os/as pecadores/as como revela quando, mesmo sendo o único justo, entra na fila dos pecadores e imerge-se nas águas do rio Jordão para receber seu próprio batismo de penitência e conversão para que a palavra de agrado e de amor que o Pai dirige a Ele possa chegar a todos/as aqueles/as com quem Ele solidariza.
De fato, graças a Jesus e à sua fidelidade ao Pai, nós também nos tornamos filhos e filhas de Deus. Não há distância entre nós e Ele, mas a proximidade e o calor de uma família onde todos se querem bem. Com efeito, o nome “filho/a” vem acompanhado do sobrenome de família: “amado/a”. Não somos colocados/a no mundo de qualquer jeito, mas somos queridos/as, amados/as de graça, desde sempre e para sempre, antes de qualquer resposta, aconteça ou que acontecer. É uma espécie de exame de DNA a olho nu. O Pai reconhece o Filho não somente porque o gerou, mas porque o ama. E sua maior alegria é quando constata, como acontece com Jesus, que o filho lhe assemelha. É a Sua cara. Age como Ele. Então fica ainda mais orgulhoso. Não consegue se segurar. Fala dele para todo mundo. Compartilha sua felicidade. Coloca plena confiança nele e na sua missão, pois tem certeza de que vai trazer de volta para casa todos os Seus filhos e as filhas dispersos pelo mundo inteiro.
Tudo isso é surpreendente. É uma novidade que dá um nó na cabeça de Joao Batista. Este aguardava a chegada do Messias há algum tempo. Esperava alguém mais poderoso do que ele, armado com um machado, pronto para cortar impiedosamente “toda árvore que não dá fruto” e incinerá-lo no fogo da “condenação eterna”. Pelo contrário, eis que aparece Jesus de Nazaré, o Messias pobre e humilde, que se mistura com o povo como qualquer outro e se posiciona no fim da fila dos pecadores. João está cheio de dúvidas. Para esclarecer as coisas intervém o próprio Deus: “Este é o meu Filho amado, em quem ponho meu agrado”. Suas palavras desmentem a ideologia do messianismo tradicional muito em voga em nossos dias como base de sustentação de ideologias desumanizantes, aventuras reacionárias, políticas de morte e, sobretudo, regimes totalitários “cristofascistas”, expressão sugerida pela teóloga Dorothee Solle para indicar a associação entre cristianismo fundamentalista, ultraliberalismo e fascismo como está acontecendo no Brasil com o bolsonarismo que, em suas manifestações mais radicais, promove destruição e morte. O Pai decepciona as expectativas daqueles que aguardavam um Messias forte e poderoso, encarregado de fazer de Israel uma grande nação custe o que custar. Esse messianismo é diabólico. O próprio Jesus diz isso a Pedro. Aqueles que o defendem não se assemelham a Deus, mas a Satanás. Deus se agrada do Filho precisamente porque rejeita a ideologia messiânica de seu tempo, assumindo a condição de servo, solidarizando com todos/as, sobretudo com os/as pecadores/as, promovendo a justiça, defendendo a vida, cuidando das pessoas, construindo a paz, chegando até o ponto de dar a vida para salvar a humanidade. Este é o Filho que dá orgulho ao Pai. O mesmo acontece conosco. Nós agradamos a Deus quando, à semelhança do Filho, correspondemos a Seu amor cuidando da humanidade e da terra com o mesmo cuidado, amor e compaixão com que Ele nos trata.
(pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)