Um Chamado à Verdade e à Essencialidade
“Tu, ao contrário…” (Mt 6,1-18)
Depois de abordar algumas questões importantes da Lei, Jesus eleva o tom, passando a polemizar com algumas práticas religiosas daqueles que eram considerados os devotos da época (Mt 6,1-6.16-18). Em primeiro lugar, desmascara a ostentação da esmola, a oferta feita ao som das trombetas, a ajuda que vira espetáculo, a caridade que acaba nos jornais e na frente das câmeras, as listas com benfeitores postadas na entrada da Igreja ou estampadas em folhetos em ordem decrescente conforme os valores doados. Depois, contesta todas as práticas devocionais excessivas, os rituais exagerados e a oração que não tem nenhuma incidência na vida das pessoas. Não são um culto a Deus, mas manifestações do culto à imagem de quem as pratica. Servem para alimentar a autoreferencialidade e vender exteriormente a imagem de uma suposta santidade. Finalmente, Jesus questiona aqueles que andam com semblante abatido para mostrar aos outros que estão jejuando. Em suma, o Mestre denuncia a hipocrisia que é um dos sintomas do coração esclerosado. Ele não mede palavras quando fala destes temas. Chama de comediantes, hipócritas e charlatões os que gostam de se exibir.
O discípulo autêntico é todo o contrário. De fato, é esta a palavra que mais aparece ao longo do Discurso da Montanha. É uma conjunção que faz a diferença. Não se trata de ser do contra e de fazer tudo o contrário pelo simples gosto de contestar e chamar a atenção, mas assumir um estilo de vida alternativo que tem como referência o Evangelho.
“Tu, ao contrário…” é um convite a mostrar a beleza da vida do Eterno, a riqueza da “diferença” cristã, um estilo de vida segundo o qual, sobretudo nas relações, somos chamados a expressar as dimensões da gratuidade, da fidelidade, do acolhimento, da solidariedade, da compaixão, da misericórdia e do perdão recíproco, dimensões próprias do Deus que nos foi revelado por Jesus, cuja vida carrega o peso de uma existência doada por amor (pe. Antônio Savone). “Tu ao contrário…” é um convite a sair da mesmice e da mediocridade, a resistir a toda tentativa de homologação e enquadramento. É um chamado à verdade e à essencialidade. É a oportunidade de ser e fazer a diferença. É um apelo a buscar a intimidade do quarto, o segredo da porta fechada, a moderação do tom da voz, a sobriedade das palavras, o silêncio da escuta e o olhar bondoso e misericordioso do Pai que vê no segredo, pois, sem desprezar os outros olhares, é este o olhar que vale de verdade. Basta-nos ser vistos por Deus sem medo de nos encontrar com nossa verdade, pois, afinal, estamos diante da misericórdia em pessoa. Francisco de Assis dizia que o ser humano vale o que vale diante de Deus e não mais. O reconhecimento alheio é bem-vindo, mas se não vier, não faz falta, pois só Deus basta. (pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)