Um sonho estranho meu e de todas as mulheres
Essa tarde tive um sonho estranho…poderia ter sido quase um pesadelo, para mim não o foi porque eu conseguia me antecipar e, por ser uma criança na situação do sonho, escapava e voltava para ajudar minha mãe e vizinhos que estavam bloqueados.
Eu era uma menina no sonho, que morava num beco lindo.
No meu prédio havia uma linda fachada de madeira entalhada.
E cada casa era mais bonita que a outra, com detalhes de belas madeiras entalhadas.
Eu era uma garotinha, mas percebi que nossa fachada havia sido roubada. Os adultos do prédio não tinham se dado conta, mas eu sentia e sabia.
Resolvi sair do beco sozinha, ver a situação das outras casas, o que havia além do beco.
E um vendaval derrubou as fachadas de madeira de uma casa e os barris com lenha cortada.
Eu ia driblando essas madeiras voadoras, pesadas e ameaçadoras.
Me deparo com a árvore dessa casa que voa inteira para o chão.
Diante do medo que sentia, me lembrei que a minha pequenez de criança conseguiria passar pelas brechas dos obstáculos.
E assim, segui.
Ao subir as escadas altas do beco e estando livre daquelas madeiras caídas e obstáculos.
Eu virei para trás.
Via meus vizinhos adultos bloqueados, apavorados se sentindo presos.
E resolvi voltar.
Minha mãe estava lá e meus vizinhos queridos também.
O que me movia era a minha pequenez.
Eu sabia que por ser tão pequena, conseguiria passar pelos escombros.
Voltava já mais calma, confiando na minha pequenez.
Mentalizava com força ” adultos lembrem-se que podem se comunicar, telefonar, chamar o corpo de bombeiros, se ajudarem”.
E voltava olhando para eles, com um poderoso pensamento ” adultos, vocês estão em escombros, usem sabedoria, saiam daí.”
E acordei emocionada.
Esse sonho acontece após a denuncia da Ministra Anielle Franco de assédio sexual contra o atual ex ministro Sílvio Almeida.
O que é limite, abuso, assédio, escombros precisa ser encarado.
É doloroso e difícil, mas precisa ser coletivamente superado.
Face a tantos desafios e fragilidades, nos sentimos pequeninos e frágeis.
E é essa pequenez que nos faz hábeis, para superarmos os escombros e, termos a habilidade.
A vontade, a garra e a humildade para voltarmos, para aprendermos com a tempestade, para reparar o que for possível e para reconstruir se necessário for.
A luta antirracista e cidadã é inseparável da luta pelos direitos e cidadania de todas as mulheres.
Se assim não percebermos, os abalos fantasmagóricos do machismo e da misoginia nos assolarão.
E lindas fachadas de madeira entalhada serão roubadas dos nossos edifícios de tantos anos de luta, erguidos.
Que façamos o luto e partamos à luta. Que nunca mais Anielle, Mariele e tantas jovens e combativas mulheres sejam feridas e, muitas vezes, mortalmente.
E que carreiras honradas de muitos homens não sejam eclipsadas pela sombra da impunidade e do machismo que habita tantos corações masculinos.
Que a nossa luta das mulheres, redima os muitos homens encastelados no egoísmo, no elitismo e no desrespeito do feminino.
Que a força das mulheres retire o feminino que existe em cada homem, especialmente daqueles ilhados, dos escombros da violência e do desamor.
Patrícia Mutanu Teixeira Santos
Professora de História da África da UNIFESP e do PPGH UFAM
1 Comment
Simplesmente encantadora vamos mulheres nos erguer e juntar forças juntas darmos o nosso grito ao mundo